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Rússia, Indonésia e Brasil são os países em que a população valoriza menos o papel da oposição

Em investigação global feita pelo Pew Research Center, 46% dos entrevistados disseram que atuação livre de partidos adversários não é tão importante

Foto do author Thaís Ferraz
Por Paulo Beraldo e Thaís Ferraz
Atualização:

A possibilidade de partidos que fazem oposição aos governos atuarem livremente é o valor democrático que obteve o menor apoio em uma pesquisa que contemplou 34 países. Apenas 54% dos entrevistados afirmaram acreditar ser importante que a oposição possa atuar com liberdade. Rússia (23%), Indonésia (24%), Líbano (35%) e Brasil (36%) foram os quatro piores classificados nesse quesito. Grécia (75%), Suécia (73%) e Reino Unido (72%) foram os melhores. 

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A liberdade de oposição é um valor mais bem avaliado na Europa, onde em oito países mais de 60% da população apoiam essa possibilidade. Na Argentina, 65% concordam com essa ideia, e no México, 43% dos entrevistados. 

Conduzida pelo Pew Research Center, de Washington, nos Estados Unidos, a investigação ouviu 38.426 pessoas. Os entrevistados deviam avaliar a importância de nove valores democráticos: justiça igualitária, igualdade de gênero,liberdade religiosa, eleições regulares, liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade na internet, liberdade de atuação de grupos de direitos humanos e liberdade de atuação de partidos de oposição. 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, em Brasília, em novembro de 2019. Foto: Gabriela Biló/Estadão

Os dois últimos valores tiveram o pior desempenho da pesquisa. Diretor de pesquisas do Pew Research Center, Richard Wike afirma que o resultado não significa, necessariamente, que as pessoas sejam contrárias a esses princípios. “O que percebemos é que, quando se trata da sociedade civil, esses quesitos tendem a ter uma prioridade menor para as pessoas, se comparados a outros, como a liberdade de expressão e a igualdade de gênero”, explica. 

Incompreensão 

Na avaliação do pesquisador Cláudio Couto, da FGV-SP, a baixa apreciação do papel da oposição decorre da incompreensão de sua função. “A oposição tem função fundamental de exercer a crítica e apontar o dedo para problemas que porventura haja nos governos. E, ao fazer isso, exerce um controle e uma limitação para não haver abusos de poder”, disse o doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo. 

Segundo Couto, governos populistas tentam deslegitimar a oposição ao qualificá-la como “inimiga do país” por ser adversária do governo. “Ela é legítima e é um contrapeso importante à ação do governo. É, no fundo, um aliado do país que pode fornecer alternativas no futuro”.

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Para David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), a desarticulação e a passividade da oposição em alguns países aumenta a insatisfação com seu trabalho. “Nem sempre ela age fornecendo soluções, e isso faz parte do problema. As melhores avaliações estão na Europa, onde a oposição funciona melhor. São democracias mais enraizadas e sabe-se exatamente o que a oposição precisa fazer”. 

Líder oposicionista, Alexei Navalny, é carregado pela polícia russa durante protesto. Foto: AP

Polarização

A pesquisa também mostrou que a polarização política que atinge muitos países, como os Estados Unidos e o Brasil, desempenha um papel fundamental na percepção que as pessoas têm da democracia. “Em particular, o modo como uma pessoa se sente em relação ao partido que está no poder em um país afeta muito como ela se sente em relação à democracia como um todo”, explica Wike. “Quem está ao lado de um partido que não está no poder no momento tende a se mostrar mais insatisfeito com o regime democrático”. 

Os países que mais aprovam o papel da oposição são também os que defendem com mais afinco a liberdade de expressão, de internet e de imprensa. O direito de dizer o que se pensa sem censura do governo é mais difundido em países da Europa Ocidental, no Canadá e no Estados Unidos, onde mais de 65% aprovam essas liberdades. Na Rússia, Tunísia, Líbano e Índia, os números não passam de 45% em nenhum dos três quesitos. No Brasil, 70% apoiam a liberdade de expressão, 60% a de imprensa e 61% a de internet. 

Wike conta que, nos últimos anos, aumentou o número de pessoas que classificam as liberdades relacionadas à comunicação como ‘muito importantes’. “Isso pode ser uma reação ao fato de que princípios democráticos estão sendo desafiados em alguns países”, afirma.

Em locais onde a liberdade de imprensa diminuiu, por exemplo, as pessoas tendem a valorizá-la mais. Em alguns casos, quanto maior for o desafio democrático de um país, mais as pessoas irão apoiar os princípios da democracia 

Richard Wike, Diretor de pesquisas do Pew Research Center

Descrença

Segundo o estudo, um dos principais motivos de insatisfação com o funcionamento da democracia é a descrença com as elites políticas. Seis em cada dez ouvidos afirmaram que as autoridades eleitas não se importam com o que os eleitores pensam. Nesse ponto, as piores avaliações estão na Europa, com destaque para Grécia (apenas 13%) e Bulgária (17%), e as melhores, nas Filipinas (69%) e na Indonésia (67%). 

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O princípio democrático mais apoiado pelos entrevistados foi o sistema judiciário justo, com média de 82% de respostas positivas. Os países que mais valorizam essa ideia são Grécia e Hungria, com 95%. Os que menos a apoiam são Índia e Indonésia, com 58% e 60%, respectivamente. O Brasil está dentro da média - 81%.