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Rússia longe da Síria?

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Há alguns dias, um avião intriga chancelarias ocidentais. Trata-se de um Iliuchin que aterrissou na sexta-feira retrasada no aeroporto de Domodevo, em Moscou. Ele provinha de Latakia, um porto na costa síria ao norte da capital, Damasco. Desse avião desceram quase cem russos. Esses russos eram parentes de militares e conselheiros. Talvez viessem de um porto situado não longe de Latakia, o Porto de Tartus de grande importância geoestratégica. A Rússia possui uma base naval em Tartus ligada à Frota do Mar Negro. É a única base naval de que a Rússia dispõe fora da Rússia ou de antigas repúblicas soviéticas. Compreende-se, então, porque este carregamento de russos retornados da Síria coloca em polvorosa os diplomatas ocidentais. Estaria ele significando que Moscou está se afastando de Damasco? Essa é a hipótese que circula. O jornal Asharq Al-Awsat, da esfera saudita, é categórico: "O Kremlin começa a se afastar do regime sírio". Se essa análise for exata, ela é fundamental. É sabido que Moscou, desde o início dos distúrbios sírios, é o sustentáculo irredutível do regime de Bashar Assad, apesar das matanças que este comete há quatro anos. Alguns anos atrás, o presidente francês, François Hollande, havia convencido o americano Barack Obama a bombardear as posições do Exército de Bashar Assad, mas o presidente russo, Vladimir Putin, se interpôs rapidamente e conseguiu suspender a ação de Obama, salvando, com isso, o regime sírio. Em 2012, Putin havia defendido Assad perante o G-8: "Não cabe a um estrangeiro decidir quem governa um país". Putin certamente pensava nele e nas tentativas de "desestabilização" que, segundo o Kremlin, o Ocidente empreendia contra Moscou. Havia um outro elemento: Putin ficou consternado com o desastre que a intervenção francesa provocou na Líbia. Caso se confirme que a Rússia está se distanciando da Síria, é todo o tabuleiro do Oriente Médio que se abala. Bashar Assad nunca esteve numa posição tão precária, tão perigosa. Ele não apenas suporta o peso dos sírios em revolta, mas enfrenta um ogro que está prestes a engolir a Síria: o Estado Islâmico (EI) ou Daesh, pelas iniciais árabes. A situação desse país outrora próspero que é a Síria é desastrosa. Como desenvolver uma economia quando a maioria das cidades sírias foi arrasada pelos canhões do próprio Assad? E vale notar que a provável retirada de pessoal militar russo e suas famílias ocorre apenas algumas semanas depois de uma grande derrota: a entrada dos batalhões do EI na prestigiosa cidade de Palmyra. Podem-se associar esses rumores a um encontro que houve alguns dias antes, no dia 12: Putin recebeu o secretário americano de Estado, John Kerry, em Sochi, na costa do Mar Negro. Segundo especialistas, os dois homens teriam "evocado o depois de Assad". Após esse encontro, o poderoso ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, fez o seguinte comentário: "Estamos convencidos de que para lutar contra a ameaça, é melhor unir os esforços das grandes potências". Se todos estes fragmentos de informação se confirmarem e se encaixarem, estaríamos presenciando manobras ainda mais ambiciosas: diante da ascensão de perigos extremos, estaríamos assistindo à busca de um novo sistema de relações mais pacíficas entre a Rússia e os Estados Unidos, mas também entre Moscou e uma parte da Europa, após a experiência mal negociada envolvendo a Ucrânia e a Crimeia. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK É CORRESPONDENTE EM PARIS

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