Rússia teme explosão islâmica na Ásia Central

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Por Agencia Estado
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Bush constrói pacientemente a coalizão que quer opor ao terror. Ele toma o cuidado, legítimo, de recrutar para a brigada da liberdade não só aliados tradicionais (europeus) mas também países islâmicos (a enorme Indonésia) e a Rússia. No momento, Bush está se saindo muito bem: baniu, de seu vocabulário, palavras idiotas ("O Bem e o Mal", a "Cruzada"). As respostas dos países solicitados são ditadas não só por indignações morais, mas também por interesse. É o caso da Argélia, da Turquia e da Rússia, que vêm na situação uma oportunidade de começar a perdoar as derivas da repressão que eles mesmos fazem contra seu próprio "terrorismo". Para Putin, a infâmia de Nova York deveria justificar a guerra atroz que a Rússia fez com os chechenos muçulmanos, que são tão terríveis, basta ler os jornais "sob ordens" do Kremlin, quanto os próprios talebans. No entanto, a solidariedade de Putin aos americanos continua ambígua. Embora o Kremlin tenha declarado sua emoção diante da carnificina, não parece querer participar de uma operação militar enquanto suas modalidades e seus objetivos não forem fixados. A prudência de Putin é compreensível. Moscou deve levar em consideração repúblicas muçulmanas do sul, repúblicas que há pouco tempo pertenciam à União Soviética, que atualmente são independentes, mas permanecem ligadas à Rússia pela Comunidade dos Estados Independentes (CEI). Ora, pelo menos três dessas repúblicas da ex-União Soviética, o Tajiquistão, o Usbequistão (que, para Washington, teria a vantagem de dispor das infra-estruturas que serviram para a invasão soviética do Afeganistão) e o Quirguistão, ficam próximas do Afeganistão (portanto, dos talebans). E elas abrigam movimentos islâmicos radicais e redes de apoio aos fundamentalistas. Para os especialistas russos, essa região serve de "polígono de ensaio" para os islamitas radicais afegãos que declararam guerra à civilização ocidental. A "Nezavissimaïa Gazeta" de Moscou precisa: "Após terem submetido todo o Afeganistão, os talebans poderiam querer libertar os muçulmanos da Ásia central". Se o Quirguistão resiste tão bem às infiltrações islamitas, o mesmo não acontece com o Usbequistão. Lá, grupos muito próximos dos talebans estão em ação. Esses grupos não se intimidam e realizam operações militares nos países vizinhos, Quirguistão e Tajiquistão. Desde 1992, eles apóiam a oposição tajique. Os mujahidins usbeques, como os da Chechênia, são treinados em campos militares no Afeganistão. Então, se os talebans conseguissem pôr fogo nessas três repúblicas, o que ficaria em chamas e ameaçada pelo extremismo islâmico é toda a fronteira sul da Rússia. Mas há ainda algo mais estranho e, talvez, mais perigoso. A China - por sua província autônoma do Xinjiang - tem uma fronteira comum com o Tajiquistão e com o Quirguistão. Essa província do Xinjiang é povoada pelos uigures. O Xinjiang tem 15 milhões de habitantes. Entre eles, 9 milhões são muçulmanos turcófonos. Não é de se espantar que o Xinjiang seja um terreno ideal para o separatismo islâmico. Os membros clandestinos das organizações de uigures islamitas têm relações contínuas e estreitas com os talebans. Existem tráficos de armas importantes entre todas essas zonas. Por exemplo, em 1997, um homem de origem uigure, mas que se tornou cidadão da Arábia, Turkistoni, enviou US$ 260 mil a um dos chefes do islamismo radical do Usbequistão. Esse cheque deveria servir para a compra de armas. E havia um contrato assinado de acordo com o qual a metade das armas compradas pelo islamita usbeque seria revendida aos separatistas (uigures) da China. É preciso ter em conta que todas essas regiões (as ex-repúblicas soviéticas e a provínica autônoma do Xinjiang chinês) são muita próximas umas das outras e têm vínculos permanentes. Este ano, terroristas uigures entraram no Quirguistão para assassinar dois funcionários chineses. Em Almaty, no Casaquistão (um outro Estado da ex-União Soviética um pouco mais ao norte), a polícia descobriu (e matou) um grupo de terroristas uigures provenientes da China. Portanto, está bem claro que toda essa imensa região da Ásia Central já entrou em ação por intermédio de grupos islamitas bem equipados, bem organizados e que parecem obedecer às ordens vindas do estrangeiro, no âmbito de uma estratégia global. Junto com o Paquistão, é uma das zonas do mundo mais diretamente vulneráveis às pregações dos islamistas talebans radicais. Compreende-se por que Putin, por mais inimigo que seja do islamismo e dos chechenos, por mais que queira receber seu "ingresso" para entrar na comunidade ocidental, hesita em colocar os pés em uma região explosiva como essa.

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