Rússia tenta insuflar tensões raciais nos EUA antes da eleição, afirmam autoridades

Principal objetivo é fomentar o caos nos Estados Unidos, embora suas motivações ainda sejam debatidas

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Por Julian E. Barnes e Adam Goldman
Atualização:

WASHINGTON – O governo russo intensificou seus esforços para inflamar as tensões raciais nos Estados Unidos com o objetivo de influir na eleição presidencial americana de novembro, procurando insuflar a violência por parte de grupos supremacistas brancos e atiçar a cólera dos afro-americanos, segundo informações de inteligência de sete funcionários da administração dos Estados Unidos.

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A principal agência de inteligência da Rússia, a SVR, aparentemente aprimorou os métodos de interferência que adotou em 2016, quando agentes procuraram fomentar a animosidade racial criando grupos falsos do movimento Black Lives Matter e disseminando desinformação para afastar das urnas os eleitores negros. Agora, a Rússia tenta influenciar os grupos supremacistas brancos, segundo as informações. 

As autoridades deram poucos detalhes a respeito, mas uma delas afirmou que investigadores federais examinam como pelo menos uma organização neonazista com vínculos com a Rússia é financiada.

Outras medidas adotadas pelos russos que vêm sendo monitoradas envolvem a incitação de nacionalistas brancos a disseminarem mais agressivamente mensagens de ódio e ampliarem seus insultos. Agentes russos também vêm tentando impelir grupos extremistas negros a agirem com mais violência, informaram várias autoridades, embora não tenham dado mais detalhes.

E operações levadas a cabo pela Rússia, como bancar organizações de notícias, continuariam a incentivar discursos raciais polêmicos, incluindo conteúdos enfatizando acusações de abusos da polícia nos Estados Unidos e enfatizando o racismo contra afro-americanos dentro do Exército.

Bandeira da Rússia nas proximidades do Kremlin, emMoscou Foto: REUTERS/Maxim Shemetov

E à medida que as empresas de mídia social vêm monitorando a atividade estrangeira mais do que o fizeram em 2016, a Rússia também vem ajustando seus métodos para não ser detectada. Ao invés de disseminar mensagens da forma mais ampla possível, como em 2016, os agentes usam grupos privados no Facebook, postagens no fórum de discussão online 4Chan e salas de bate-papo fechadas que são mais difíceis de monitorar.

O principal objetivo da Rússia, segundo as autoridades, é fomentar o caos nos Estados Unidos, embora suas motivações ainda sejam debatidas e difíceis de decifrar devido à falta de fontes de inteligência em Moscou.

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O efeito direto dessa interferência na política americana e na eleição é menos claro. Mas, para algumas autoridades americanas, atos de violência podem impulsionar a candidatura à reeleição do presidente Donald Trump se ele argumentar que uma resposta a esses episódios demanda continuidade e que ele representa o princípio da lei e da ordem.

O FBI e outras agências de inteligência não comentaram o assunto. Membros do governo Trump devem prestar informações ao Congresso a portas fechadas na terça sobre ameaças à eleição por parte da Rússia e outras nações rivais. 

Vertentes

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Tentativas para exacerbar as tensões raciais são apenas uma vertente das operações de influência da Rússia em 2020. As agências de inteligência russas promovem vários discursos e temas que provocam divisões. Mas talvez o problema mais difícil nos Estados Unidos seja o da justiça e privilégio racial, e as autoridades têm manifestado preocupação de que uma intensificação das rivalidades racial representa o maior dano ao tecido social do país.

Os serviços de inteligência russos perceberam a índole desagregadora da marcha dos supremacistas brancos em 2017 na cidade de Charlottesville, em Virgínia, que levou à morte de um manifestante contrário aos supremacistas, e concluíram que promover grupos de ódio é o método mais eficaz para disseminar a discórdia nos Estados Unidos.

Motorista identificado como James Alex Fields Jr. avança contra multidão em Charlottesville; 1 pessoa morrreu e 19 ficaram feridas no ataque Foto: Ryan M. Kelly/The Daily Progress via AP - 12/08/17

Algumas autoridades americanas acreditam que a Rússia tenta corroer a democracia americana e a posição do país no mundo impelindo o debate para os extremos. “Um dos objetivos da Rússia é debilitar as instituições e transformar a questão da raça em arma é uma maneira de alcançar sua meta”, disse Laura Rosenberger, diretora da Alliance for Securing Democracy. 

“Uma América dividida é uma América frágil. Enquanto formos incapazes de resolver nossos problemas juntos, a Rússia se torna mais capaz de demonstrar seu poder no mundo”.

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As autoridades americanas estão divididas quanto a se a Rússia vem incitando as divisões raciais para influir na eleição presidencial. Algumas acham que o esforço é separado de qualquer tentativa do Kremlin para favorecer Trump. Mas outras entendem que, para a inteligência russa, suas tentativas podem angariar mais votos para Trump, embora sua compreensão da política eleitoral americana não seja clara.

O FBI também investiga elos entre a inteligência russa ou seus comandados e Rinaldo Nazzaro, cidadão americano que fundou um grupo neonazista chamado Base. Ele vive em São Petersburgo, na Rússia, e é casado com uma cidadã russa, disseram antigas autoridades do governo. Quem primeiro descobriu sua identidade foi o The Guardian.

Táticas da Guerra Fria 

As táticas remontam à Guerra Fria, quando a União Soviética tentava exacerbar as tensões raciais nos Estados Unidos. “Os esforços mais bem-sucedidos nesse tipo de interferência são aqueles que exploram as divisões existentes. E raça com certeza é uma delas”, afirmou Rosenberger.

Pesquisadores independentes continuam a identificar contas na mídia social com vínculos com a Rússia. Raça é um dos tópicos principais que essas contas procuram fomentar e que semeiam as divisões, informou Young Mie Kim, professor da universidade de Wisconsin. Outros assuntos explorados são nacionalismo, imigração, controle de armas e direitos da população LGBTI+.

O professor monitorou postagens no Instagram no ano passado que usavam táticas similares às tentativas de agentes russos em 2016 e confirmou que mais de duas dezenas eram ligadas à Rússia. O Facebook depois as removeu. “Os trolls da Rússia fingiram ser americanos, incluindo grupos políticos e candidatos”, explicou o professor numa mensagem para o Brennan Center for Justice.

“Eles tentavam semear a divisão tendo como alvo a direita e a esquerda com postagens para fomentar a indignação, medo e hostilidade. Grande parte da atividade tinha por fim desencorajar algumas pessoas de votarem, especialmente nos Estados que são decisivos para os resultados das eleições". / Tradução de Terezinha Martino

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