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Rússia veta na ONU moção para tornar ilegal plebiscito para anexar Crimeia

Descontente com a revolução em Kiev, comunidade russa do leste da Ucrânia deve decidir neste domingo,16, voltar ao domínio de Moscou

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Por Redação
Atualização:

SIMFEROPOL - O barulho das botas se faz ouvir alto na Praça Lenin, no centro de Simferopol. É assim que, no fim da tarde, soldados e milicianos russos e cossacos, que tomaram o controle do Parlamento da Crimeia, deixam claro, mais uma vez, quem dita as regras na península do Mar Negro.

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Sem deixar espaço para o diálogo, militantes pró-Rússia antecipam o resultado do referendo que deve colocar hoje a república autônoma sob domínio de Vladimir Putin.

Moscou vetou neste sábado, 15, no Conselho de Segurança da ONU a resolução que declarava ilegal o referendo na Crimeia. A China se absteve da votação, o que demonstra o isolamento internacional da Rússia. Os demais treze países que compõem o organismo votaram a favor. As nações que apoiavam a resolução, proposta pelos EUA, sabiam que os russos usariam o poder de veto que têm por serem membros permanentes do conselho – e fizeram a votação com a intenção de demonstrar a ampla oposição à tomada da Crimeia por parte da Rússia.

O porta-voz de segurança de fronteira da Ucrânia Oleg Slobodyan afirmou que neste sábado as forças russas fizeram o que parece ser sua primeira incursão no território ucraniano: apoderaram-se de uma estação de distribuição de gás em Strelkova, a cerca de 10 quilômetros da Crimeia. Os russos usaram helicópteros e blindados para apoiar os 120 soldados que participaram da ação, segundo Slobodyan.

A chancelaria ucraniana afirmou que o país "se reserva o direito de usar todas as medidas necessárias para impedir a invasão militar da Rússia".

Apesar de toda a pressão internacional, o referendo na Crimeia está marcado para hoje graças a Moscou, que oferece apoio incondicional às autoridades locais. Ao todo, 1,5 milhão de pessoas estão habilitadas a votar. "Este referendo é a nossa chance de viver melhor e em mais segurança", afirmou ao Estado o desempregado Andri Fedorovich, de 36 anos, um dos tantos saudosos do poder e da planificação econômica da antiga União Soviética.

Visão oposta, claro, têm os partidários pró-Ucrânia, que criticam a secessão. "Se as pessoas decidirem pela anexação da Crimeia à Rússia, pode ser perigoso. Poderemos ter batalhas nas ruas ou até uma guerra terrível", disse Andri Schekun, de 40 anos, coordenador do movimento Euromaidan na região.

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Após a entrevista, ocorrida dentro de um carro para não chamar atenção, Schekun telefonou para um amigo e disse que estava sendo preso por milicianos na estação ferroviária de Simferopol. Desde então, não foi mais visto, assim como seu colega de movimento Anatoli Kolvaski. A chance de que a "guerra terrível" descrita por Schekun de fato ocorra, porém, é considerada ínfima porque, como seu desaparecimento demonstra, os russos têm o controle total da península.

No intervalo de uma semana, as manifestações em favor da Ucrânia desapareceram. Em seu lugar, grupos de hooligans – violentos ou não – vagam durante a noite, enquanto milicianos organizados desfilam pelas ruas e se concentram no Parlamento e na Praça Lenin durante o dia.

Para observadores políticos ucranianos, o detonador dessa repressão foi um erro de cálculo político do presidente interino da Ucrânia, Oleksandr Turchinov, e de seu premiê, Arseni Yatseniuk. Em uma canetada, eles cancelaram, com apoio do Parlamento, o status da língua russa como um dos dois idiomas oficiais do país. Para a população da Crimeia, foi a prova que faltava: a perseguição de Kiev aos russos estava começando e logo era chegada a hora de reivindicar o retorno à a Rússia, país ao qual a península pertencia até 1954. "Somos a maioria aqui, somos 58% da população, mas querem nos impedir de falar a nossa língua", disse furiosa a professora de filosofia Larissa Chulkova.

Atendendo a apelos por "proteção" da população russa, Putin ordenou o desembarque de tropas em suas bases na Crimeia – onde, por força de acordos binacionais, até 25 mil soldados podem ficar estacionados. Em questão de horas, o Parlamento, aeroporto e os pontos estratégicos da região foram ocupados por militares russos e cossacos, fazendo explodir as denúncias de invasão e ampliando a crise política na Ucrânia.

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É nesse clima que o referendo será feito. "Antes da chegada dos soldados, as pessoas estavam indecisas e amedrontadas. Agora, estão confiantes. Você vai ver: pelo menos 75% votarão pela anexação à Rússia", diz o motorista Serguei Hahulya.

A previsão não é considerada irrealista. Com tamanha pressão da comunidade russa, até ex-ucranianos convictos mudaram de ideia. Há uma semana, o estudante de letras e músico Ylia Ilga, de 24 anos, afirmava não querer viver na Rússia, apavorado com a ideia de perder parte de suas liberdades individuais. Na sexta-feira, havia se convertido. "Nasci na União Soviética e cresci na Ucrânia", lembrou, alegando que nem percebeu a diferença. "Quando chegar a hora, vou pedir meu passaporte russo." / COM AP

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