Quinhentos dias após o plebiscito que resultou no divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, o Centro Nacional de Cibersegurança (NCSC), órgão do governo britânico, confirmou que as redes sociais foram perturbadas pela propaganda a favor do Brexit proveniente de 150 mil contas com base na Rússia.
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Na segunda-feira, a primeira-ministra Theresa May acusou o país de tentar “a erosão do sistema internacional” por meio das intervenções, que também foram diagnosticadas na guerra da Ucrânia, nas eleições americanas de 2016 e, em menor escala, em pleitos europeus, como o da França.
As conclusões da NSCS britânica foram divulgadas pelo diretor da agência, Ciaram Martin, em evento realizado pelo jornal The Times. Pela primeira vez uma autoridade do governo britânico acusou em público, e baseado em uma investigação, que as redes sociais teriam sido manipuladas antes e logo após o voto. Um total de 156 mil contas em sites e aplicativos como Twitter foram criadas, grande parte delas automatizadas, para divulgar a hashtag #brexit. Uma maioria das contas veiculava propaganda ou informações falsas favoráveis à ruptura entre Londres e Bruxelas.
Em 2015, agências de inteligência de países do Ocidente identificaram a existência das chamadas “usinas de trolls” criadas em solo russo. Uma das mais atuantes é a Internet Research Agency (IRA), uma empresa privada com sede em São Petersburgo, na Rússia, cujo principal cliente seria o próprio governo da Rússia. Outras empresas do mesmo tipo também vêm sendo identificadas como fontes de “operações de influência” em redes sociais, jornais digitais, fóruns de discussão e sites de vídeos.
Ciaran Martin, diretor da NCSC, não citou textualmente o “Brexit" – a ruptura é apoiada pelo governo britânico –, mas afirmou que a manipulação não só afetou veículos de mídia, mas também empresas dos setores de telecomunicações e de energia, alvos de operações de hackers provenientes da Rússia. A investigação indicou ainda que os ataques não acabaram com o Brexit.
Um deles foi realizado contra um sistema de alimentação de eletricidade no dia das últimas eleições gerais, em 8 de junho passado. “Eu posso confirmar que as interferências russas, constatadas pela NCSC no curso do último ano, incluem ataques contra mídias, setores de telecomunicações e de energia britânicos”, afirmou. “A Rússia busca a erosão sistema internacional. Agora está claro.”
Para Martin, os indícios encontrados pela investigação – que não detalhou, alegando questões de inteligência nacional – apontam para ações organizadas para enfraquecer a atual ordem internacional.
Em paralelo, o jornal The Guardian revelou as conclusões de um estudo realizado pela Universidade de Edimburgo, na Escócia, que mostrou que 419 contas no Twitter, de um total de 2,7 mil que teriam sido criadas pela IRA, dedicaram-se à propaganda em torno do Brexit nos dias anteriores ao plebiscito de 23 de junho de 2016.
As revelações foram precedidas, na segunda-feira, de uma "mensagem" enviada por Theresa May sobre o tema da cibersegurança. Em uma reunião com investidores na City, o distrito financeiro de Londres, a premiê desviou do assunto e acusou Moscou de interferência, que “incluem intervenções em eleições, hacking do Ministério da Defesa da Dinamarca e do Parlamento da Alemanha, entre outros”.
Também sem citar o Brexit, a chefe de governo ligou ainda o conflito em Donbass, no leste da Ucrânia, e as violações do espaço aéreo de países europeus e as campanhas de ciber-espionagem à ação articulada da Rússia, que teria levado "suas organizações de mídia apoiadas pelo Estado para publicar falsas informações e modificar fotografias com o objetivo de semear a desordem no Ocidente e diminuir a influência de nossas instituições”.
“Eu tenho uma mensagem muito simples à Rússia: nós sabemos o que vocês estão fazendo. E vocês não chegarão ao objetivo”, advertiu May. “Vocês subestimam a resiliência de nossas democracias, a atração que perdura por sociedades livres e abertas e o engajamento de nações ocidentais em alianças que as ligam."
Em meio à controvérsia, a Comissão Eleitoral britânica acusou o comitê de campanha Leave.EU, responsável pela propaganda em favor do Brexit durante a campanha do plebiscito, vem retardando uma investigação de suas contas negando-se a fornecer informações sobre sua contabilidade.