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Russos vêem nova Guerra Fria em discurso de Cheney

Reação de políticos aliados do Kremlin e de intelectuais russos reflete o esfriamento nas relações entre Washington e Moscou

Por Agencia Estado
Atualização:

A mídia russa descreveu as duras críticas do vice-presidente americano à Rússia como o início de uma nova Guerra Fria e a reprise do famoso discurso "Cortina de Ferro" de Winston Churchill, refletindo o aprofundamento da desconfiança entre os dois países no momento em que as advertências de Washington colidem com um Kremlin mais confiante. A resposta oficial do Kremlin ao discurso que Dick Cheney proferiu na quinta-feira durante uma conferência na Lituânia foi contida. Mas a reação irritada de políticos aliados do Kremlin e de intelectuais russos reflete o crescente esfriamento nas relações entre os presidentes russo e americano ao longo do segundo mandato dos dois líderes. "O discurso elimina efetivamente os vestígios da parceria estratégica entre a Rússia e os Estados Unidos. E se o presidente dos EUA, George W. Bush, confirmar a posição, a idéia pode ser enterrada", avaliou o analista político pró-Kremlin Gleb Pavlovsky. O proeminente diário econômico Kommersant escreveu que os comentários de Cheney marcam "o início de uma segunda Guerra Fria" e são uma reminiscência do famoso discurso de Churchill em Fulton, Missouri, em que ele condenou o expansionismo soviético na Europa Oriental, cunhando a expressão "Cortina de Ferro", que definiu por décadas a divisão entre Oriente e Ocidente. Ao ser requisitado para comentar a comparação, o chanceler russo, Sergey Lavrov, evitou criticar Cheney, mas condenou o encontro na capital da Lituânia, Vilnius, que contou com a participação de líderes pró-americanos de ex-repúblicas soviéticas nos mares Báltico e Negro. "Nos últimos anos, muitos fóruns foram criados, refletindo o desejo de respectivos Estados de unir forças a fim de alcançar benefícios comuns", refletiu Lavrov. "Mas existem fóruns que dão a impressão de que foram montados com o objetivo de criar uma união contra alguém". Cheney acusou a Rússia de reprimir direitos religiosos e políticos e de usar suas reservas de energia como "instrumentos de intimidação e chantagem". As críticas - as mais duras já feitas pela administração Bush em relação à Rússia - foram feitas dois meses antes de Bush encontrar-se com seu colega russo, Vladimir Putin, em São Petersburgo para a cúpula do G8, o grupo dos oito países mais industrializados do planeta. Muitos comentaristas russos disseram que o local escolhido por Cheney para seu discurso - uma nação lutando para superar mais de meio século de dominação soviética - tornou o golpe ainda mais doloroso para o Kremlin. "Ao participar do fórum, os Estados Unidos enviaram uma mensagem para a Rússia e para aqueles países: não vamos partir, consideramos a região parte de nossa esfera de interesses", entendeu Liliya Shevtsova, do grupo de estudos Carnegie Endowment, em Moscou. "No momento em que a Rússia tenta resgatar o papel de uma superpotência regional e global, tal mensagem provocou forte preocupação em Moscou", acrescentou. O presidente do Comitê de Assuntos Internacionais do Parlamento russo, o pró-Kremlin Konstantin Kosachev, considerou que o discurso de Cheney foi "no geral um tributo ao formato da cúpula que foi realizada em Vilnius na presença de líderes de países vizinhos que têm consistentemente usado de retórica anti-russa na elaboração de suas políticas". Moscou reclama que os Estados Unidos e outros países ocidentais estão se infiltrando em sua tradicional esfera de influência, enquanto o Ocidente acusa Moscou de intimidar seus vizinhos, usando a energia como arma. O monopólio de gás natural Gazprom, controlado pelo Estado russo, aumentou significativamente o preço do gás enviado para a Ucrânia, Geórgia e outras ex-nações soviéticas agora voltadas para o Ocidente. Uma dura disputa sobre preços com a Ucrânia levou a uma breve suspensão do abastecimento de gás por parte da Rússia para a Europa Ocidental, levando os EUA a pedirem aos líderes europeus para repensarem sua forte dependência de energia importada da Rússia. A disputa de gás com a Ucrânia, o convite de Putin ao grupo militante palestino Hamas para visitar Moscou e a determinada posição da Rússia contra a imposição de sanções ao Irã sublinham a retomada de confiança por parte do Kremlin baseada no crescente poder energético russo. "Os grandes recursos provenientes do setor energético tem encorajado uma sensação de poder, um sentimento de que a Rússia pode fazer o que quiser e ignorar os outros", afirmou Fyodor Lukyanov, editor de Rússia da revista Global Affairs. "A Rússia sente que se tornou forte o suficiente para agir sem levar em conta as posições dos Estados Unidos e da União Européia". Lukyanov e outros analistas acreditam que a escalada de tensão pode sabotar a cúpula do G-8 em São Petersburgo, que o Kremlin pretende transformar numa vitrine de sua crescente influência global.

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