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São Paulo vira 'terra prometida' a haitianos

Em busca de oportunidades, refugiados cruzam países até chegar à capital paulista

Por Pablo Pereira
Atualização:

SÃO PAULO - Ele tem 38 anos, é eletricista, fala francês e esforça-se para aprender o português. Pierre-Menilet Mentor, haitiano, solteiro, chegou a São Paulo há dois meses em busca de um futuro que possa amainar o impacto provocado em seu país pela tragédia natural de 201o. A cidade onde ele vivia, Arcahaie, a 43 quilômetros da capital, Porto Príncipe, é uma das áreas destruídas pelo terremoto.Pierre e o amigo Milien Talien, também de 38 anos, chegaram a São Paulo numa viagem que os levou ao Panamá, e de lá, de ônibus, até a Argentina. "Chegamos aqui há dois meses", diz Pierre, procurando as palavras em seu novo idioma. Além do francês, ele fala o creole. "Falo só um pouquinho de português", disse, ontem, no pátio da Igreja Nossa Senhora da Paz, no Glicério.Os dois amigos, que viveram no Haiti até o ano passado, deixaram filhos no país devastado e aventuraram-se em busca de uma oportunidade em São Paulo, onde um pequeno grupo de compatriotas conta com apoio da Casa do Imigrante para sobreviver."Eu moro num quarto alugado", disse Pierre, ao lado do amigo Milien. Eles aguardam a Carteira de Trabalho para poder trabalhar oficialmente. Pierre, no entanto, já apresenta como documento brasileiro um certificado da Receita Federal, que lhe concedeu o CPF. Ele exibe o documento como uma garantia de sua existência no País."Estou esperando também para ir à escola", acrescenta o haitiano. Apoiado por religiosos da Missão de Paz que funciona no Glicério, Pierre quer fazer um curso de eletricista para facilitar sua inclusão no Brasil. No Haiti, uma filha, de 6 anos, espera pelo sucesso da empreitada do pai em São Paulo. Para o amigo Milien Talien, casado, com um filho de 6 anos ainda vivendo no Haiti, a expectativa de uma oportunidade também é grande. Ele sofre mais do que o colega com a barreira da língua. "Ele é encanador", afirma Pierre. "Encanador hidráulico", completa, com ênfase no "li".Pouco à vontade no início da conversa, eles se comunicam em francês. Estão preocupados com a entrevista. Pierre diz ao colega que não acredita que o contato vá ser prejudicial. Depois de contarem um pouco de suas histórias, eles chamam um amigo, Besnel, de 21 anos, que já vive no Brasil há um ano. Besnel é um dos haitianos que entraram pela fronteira da Amazônia e passaram pela Paróquia de São Geraldo, em Manaus, onde os religiosos amparam famílias de recém-chegados do Caribe. Besnel hoje mora na Casa dos Imigrantes do Glicério e já entende bem o idioma da terra. Também desempregado, ele é pintor de paredes. Besnel conta que foi bem tratado em sua chegada ao país, mas que ainda aguarda documentação para poder trabalhar. Ao lado de Pierre e Milien, Besnel permanece como um atento tradutor emprestando confiança ao grupo. O eletricista diz, então, que gostou da cidade e conta com a possibilidade de uma vida nova. "Queremos trabalhar", diz, ladeado também pelo padre Mário Geremia, um dos religiosos que dão apoio aos migrantes na Pastoral do Imigrante paulistana.Para o padre, que dirige a Pastoral do Migrante da Missão Scalabriniana, os haitianos estão muito esperançosos com a oportunidade de uma vida de trabalho em São Paulo. "São pessoas muito sofridas, gentis, e com muita vontade de trabalhar", afirma o padre.Os haitianos encontrados ontem à tarde no Glicério são parte de uma comunidade que cresce na região, seguindo a tendência registrada nos postos de fronteira, principalmente na Amazônia. No abrigo do Glicério, há 26 haitianos entre os cerca de 100 estrangeiros que recebem acolhida na entidade. Mas muitos deles já começam a se estabelecer em casas da região, como o eletricista Pierre e seu colega encanador Milien. Depois de alguns minutos de conversa diante da Igreja da Paz, Pierre e seus amigos já estão mais à vontade. Quando aparecem alguns meninos da vizinhança com uma bola, o ambiente fica mais leve. E o bate-bola diante da Igreja torna a tarde mais amigável. Na fronteira de Tabatinga, o fluxo de migrantes permanece forte no rumo de Manaus. "Há dias em que chegam aqui 50, 60 deles", disse ontem à tarde o padre Valdecir Molinari Mayer, da Igreja São Geraldo, em Manaus.

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