Sarkozy traz dinamismo à diplomacia

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Por Michel Rocard
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Nicolas Sarkozy venceu a eleição presidencial francesa, em maio, em parte porque atraiu uma parcela substancial dos simpatizantes da extrema direita para sua bandeira conservadora. De fato, o apoio popular da ultradireitista Frente Nacional caiu de cerca de 15% para 10%, enfraquecendo dramaticamente a agremiação e fortalecendo a direita francesa tradicional. Sarkozy venceu enfocando temas como identidade nacional e imigração. Como resultado, muitos enxergaram uma forte tendência direitista em sua campanha. Na França e no restante da Europa, as pessoas esperaram um governo extremamente conservador, semelhante ao do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Isso foi um erro. A atitude de Sarkozy de abraçar o tema da ameaça à identidade nacional da França, que ele associou à imigração, não basta para transformá-lo num neoconservador ao estilo americano. Ele optou por demonstrar isso mais claramente no campo da política externa. Sarkozy formou seu governo consciente de que a política externa francesa é consensual há tempos. Por isso, entregou o controle dos principais braços de política externa do governo a políticos de esquerda. O socialista Bernard Kouchner, ex-ministro de Assuntos Humanitários e da Saúde, é o novo ministro de Relações Exteriores. Outro esquerdista, Jean-Pierre Jouyet, foi encarregado dos Assuntos Europeus. Jean-Marie Bockel, o prefeito socialista de Mulhouse, é o ministro encarregado da cooperação e das relações com o mundo francófono. E socialistas também foram incluídos em outros setores do governo de Sarkozy. Fadela Amara, presidente de uma ONG que defende os direitos das mulheres, é secretária de Estado para Administração Urbana. RISCO ASSUMIDO A segunda iniciativa importante de Nicolas Sarkozy foi reativar o projeto europeu. Depois do fracasso da proposta da Constituição européia, em 2005, ficou difícil perceber que a direção correta a seguir era um diálogo que rendesse apenas progresso parcial na melhora dos mecanismos de decisão da União Européia. Afinal, não havia emergência imediata, e todos entenderiam se Sarkozy esperasse mais dois ou três anos antes de arriscar sua reputação tentando ressuscitar a idéia de uma Constituição da UE. Mas Sarkozy assumiu o risco. E conseguiu convencer outros líderes europeus a abraçar o ''''tratado simplificado'''' que propôs. É claro que o texto final do tratado ainda não existe, mas o sucesso parece possível - o que não só melhoraria os mecanismos da União Européia, mas também enviaria um sinal aos eurocéticos, principalmente os britânicos e poloneses. A França não desistiu de exigir uma Europa ''''política'''' que seja mais que um simples mercado comum. A terceira iniciativa de Sarkozy veio com a renúncia do diretor do Fundo Monetário Internacional. Tipicamente, esse cargo é concedido a um europeu. Sarkozy surpreendeu a todos indicando um socialista francês, Dominique Strauss-Kahn, um homem de verdadeira competência que goza de amplo respeito. A indicação de Strauss-Kahn é também um golpe efetivo em termos de política doméstica francesa, pois enfraquece a oposição socialista. O mais importante, contudo, é que a escolha de Sarkozy é uma tomada de posição crucial nos debates econômicos globais de hoje. Sarkozy está anunciando que é um ''''regulador'''' econômico, e não um liberal global convencido de que o atual equilíbrio das forças de mercado é ótimo e, portanto, não precisa de intervenção. A quarta iniciativa também envolveu a política externa: a libertação da equipe médica búlgara presa na Líbia sob a falsa acusação de infectar crianças deliberadamente com o vírus HIV. Intensas negociações com a Líbia, particularmente por parte da Europa, estavam em curso havia mais de um ano, mas não rendiam frutos porque o governante líbio, o coronel Muamar Kadafi, não confiava em seus interlocutores. Sarkozy entendeu isso. Escolhendo sua mulher como negociadora, ele ajudou a superar o impasse. Além disso, Sarkozy busca intensificar a cooperação para o desenvolvimento em toda a região mediterrânea. Ele começou com uma viagem presidencial a Argel, e em seguida foi a Trípoli. Depois vieram visitas ministeriais a Beirute. Garantir o desenvolvimento dessa região é um desafio longo e difícil - mas necessário. Os preparativos do governo francês para assumir a liderança no diálogo internacional sobre a mudança climática são outro sinal de que Sarkozy pretende fazer o país renascer como uma força global. Depois da relativa inércia dos últimos anos de mandato do presidente Jacques Chirac, o dinamismo ressurge na política externa francesa. É um acontecimento bem-vindo - e não só para a França, pois o ativismo de Sarkozy também promete impulsionar a influência política da Europa ao redor do mundo. TRADUÇÃO DE ALEXANDRE MOSCHELLA *Michel Rocard, ex-primeiro-ministro e ex-líder do Partido Socialista da França, é membro do Parlamento Europeu. Artigo distribuído por Project Syndicate

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