Saúde de Chávez causa apreensão sobre futuro para cubanos

Repórter em Havana descreve preocupação no país com possível mudanças em governo aliado.

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Por Sarah Rainsford
Atualização:

Residente em Cuba, a repórter da BBC Sarah Rainsford escreveu um relato sobre a preocupação dos cubanos com a saúde do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que viajou ao país para tratar um câncer. Leia abaixo. Hugo Chávez está hospitalizado a poucos quilômetros da minha casa. Quero dizer, acho que está. Quando se trata da saúde do presidente venezuelano, as autoridades cubanas não dizem muita coisa. Eu estava fora da ilha quando Chávez surpreendeu a todos ao anunciar que seu câncer havia retornado e que ele voltaria a Havana para outra cirurgia. Uma semana depois, fui ao hospital Cimeq. Próximo da residência de Fidel Castro, conhecido por atender os líderes de Cuba, o centro médico fica escondido entre bosques e campos. Na maioria dos países, se um chefe de Estado é internado com alguma doença grave, jornalistas ficam plantados na entrada do hospital à espera de notícias. Na porta do Cimeq, no entanto, só vejo dois soldados jovens vestindo uniforme verde. Não é novidade para ninguém que Chávez escolheu Cuba pela discrição que o país oferece, além do atendimento médico. As únicas notícias sobre sua situação vêm de pronunciamento de autoridades venezuelanas, divulgados a partir de Caracas. Por meio deles, sabemos que houve "momentos de tensão" depois da cirurgia e que o presidente perdeu muito sangue, mas está se recuperando. Até agora, no entanto, não sabemos que tipo de câncer ele possui e qual é o prognóstico. As autoridades cubanas foram ainda mais comedidas: além de um comunicado do Parlamento, houve uma breve nota do ex-líder Fidel Castro no diário do Partido Comunista - Granma. Isso sem falar de palavras calorosas do atual mandatário de Cuba, Raul Castro, elogiando Chávez pelo que chamou de "valentia". Aliado vital Apesar do controle da informação para fora dos corredores do hospital, o governo cubano não tem como restringir o que o povo fala nas ruas de Havana. Já se passaram 18 meses desde que Chavez viajou pela primeira vez a Cuba para tratar seu câncer. Os cubanos estão acostumados à presença do líder venezuelano e às palavras de solidariedade transmitidas constantemente pela rádio estatal do país. Mas desta vez sabem que Chávez nomeou um sucessor antes de viajar, e apesar de as garantias oficiais de que ele estaria "se recuperando", estão preocupados. "Chávez é incrivelmente importante para Cuba", disse uma mulher que encontrei perto da Plaza Vieja, em Havana. "Sem ele, não sabemos o que aconteceria aqui." "Faz 14 anos que ele chegou ao poder, e as coisas mudaram muito por aqui desde então", disse um jovem. "Eu acho que ele vai se recuperar. Eu espero. Ele fez muita coisa por nós." Desde a derrocada, há duas décadas, da União Soviética, levando consigo os imensos subsídios econômicos que o país destinava a Cuba, a Venezuela socialista e rica em petróleo emergiu como um aliado vital para os irmãos Castro, ajudando a financiar sua "revolução". Cuba importa dois terços de seu petróleo da Venezuela. Em contrapartida, cerca de 40 mil médicos cubanos trabalham na Venezuela, assim como professores e treinadores esportivos. Porém, o líder oposicionista Henrique Capriles, derrotado nas últimas eleições presidenciais realizadas em outubro, disse claramente durante sua campanha que acabaria com o que chamou de "esmolas de petróleo" dadas à ilha comunista caso assumisse o poder na Venezuela. Ajuda de Chávez Isso é o que mais preocupa os cubanos em um mundo sem Chávez - embora isso seja dito quase como um murmúrio, nunca revelando nomes. "Durante o 'Período Especial', tivemos cortes de energia que duravam horas e horas", disse um cozinheiro que trabalha em uma empresa estatal em Havana. Ele referia-se ao período que sucedeu o colapso da União Soviética. O cozinheiro cubano teme que, caso Chavez não possa retornar ao poder, os dias de cortes, fome e dureza se repitam em Cuba. "Com o bloqueio (comercial imposto sobre Cuba pelos Estados Unidos), ele é o único que nos ajuda", afirma. "As coisas estão ruins agora, mesmo com Chávez", acrescenta. "Se ele morrer, vai ser um desastre." Os economistas do governo são mais otimistas. Eles ressaltam que Cuba depende hoje muito menos da Venezuela do que dependia da União Soviética. Segundo eles, a economia da ilha está mais diversificada: o país tem hoje um setor turístico que está crescendo, por exemplo. O comércio com a Venezuela, no entanto, responde por mais de um terço do PIB cubano, então não é de se espantar que a parcela da população mais informada esteja preocupada. Mas uma outra mulher com quem conversei chamou minha atenção para um ponto importante. "As pessoas estão dizendo que ele está seriamente doente e que não vai retornar, mas nunca se sabe", disse. "Basta olhar o que aconteceu com Fidel", acrescentou. De fato. O ex-presidente Fidel Castro continua surpreendendo o mundo com sua extraordinária capacidade de sobrevivência. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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