Saúde de Mubarak reflete fragilidade política do Egito

Regime criado pelo ex-presidente sobrevive ligado a aparelhos operados pelo Exército egípcio.

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Por Kevin Connolly
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Em algum lugar dentro das sombrias instalações do hospital militar, o ex-homem forte do Egito encarava a certeza final, diante da qual nenhum de nós é forte. Luzes brilhavam tristemente através de cem janelas. Rumores circulavam como fumaça de cigarro no ar da meia-noite, levados pela súbita brisa que refrescava o Cairo após um dia sufocante. Hosni Mubarak havia sofrido um ataque cardíaco; um acidente vascular cerebral (AVC). Ele não tinha pulso. Seu coração havia parado e sido reanimado. Ele havia sido desfibrilado, entubado e ventilado. Seu cérebro estava morto, clinicamente morto, simplesmente morto. Lentamente, ficou claro que ele estava parado em algum lugar entre a vida e a morte, assim como o país que ele liderou por tanto tempo se encontrava suspenso entre a autocracia e a democracia. O duro general que deu forma e dirigiu o velho sistema parecia estar terminando seus dias como um tipo de metáfora. A notícia de que sua saúde cronicamente frágil havia se deteriorado em uma crise chegou ao fim de um dia febril no Cairo. Fazia calor, quase 40ºC, e uma densa nuvem de poeira pairava sobre a cidade durante o dia inteiro, como um homem gordo sentado sobre uma almofada de ar. Ao cair da noite, a Praça Tahrir, ao lado do Nilo, no centro da cidade, começou a ficar repleta de partidários da Irmandade Muçulmana, que cantavam vitória nas primeiras eleições presidenciais livres da história do Egito. Enquanto a enferrujada máquina democrática do país se preparava para divulgar os resultados finais e oficiais das eleições presidenciais, um processo político separado, conduzido paralelamente pelo Exército e pela Corte Constitucional chegava a algumas conclusões próprias. Controle O Parlamento - eleito em novembro último e dominado pela Irmandade Muçulmana - foi dissolvido. Os generais, que estão achando difícil abandonar o hábito de controlar todas as áreas da vida egípcia, terão um grande papel na futura Constituição e reconquistaram o poder de prisão. Parece um tipo de golpe militar em câmera lenta - embora seja um tipo muito pós-moderno, que envolve mais anúncios em redes sociais do que tanques nos gramados. O Exército, claro, diz que não é nada disso. Haverá novas eleições parlamentares em algum momento. Uma nova Constituição e o poder deverão ser entregues ao novo presidente no fim do mês. Mas os generais vão manter uma enorme influência - mesmo se tirarem suas fardas e vestirem ternos. Cada um tem seu fato histórico favorito de comparação - Portugal em 1974, Turquia nos anos 80 e Paquistão nos anos 90 são analogias que ouvi para países nos quais homens fardados eram mais importantes que homens no governo. É claro que simplesmente fazer eleições nunca vai transformar o Egito na Suécia ou na Suíça de uma hora para outra. As raízes da influência militar são muito profundas para isso. Questões E na cabeça de muitos egípcios, há também uma outra questão. O islamismo político é o claro vencedor do primeiro experimento deste país com a democracia. A Irmandade Muçulmana tem sofrido para apresentar uma face não ameaçadora ao resto da sociedade egípcia - mas seus opositores têm muitas questões não respondidas sobre o que um regime islâmico poderia significar em última análise. Escolas e praias segregadas? Lenços e véus para as mulheres? Uma proibição à venda de álcool, talvez? O Egito foi diretamente da situação de não ter nenhum tipo de democracia para a de ter uma quantia fatigante e confusa de democracia. Os egípcios tiveram de votar em 25 ocasiões nos últimos 15 meses, usando um sistema parlamentar que colocaria à prova o entendimento do mais sábio dos especialistas. No segundo turno das eleições presidenciais, o comparecimento caiu para 50%, e o candidato vitorioso conquistou pouco além de 50% disso, dificilmente um mandato para mudança social permanente e profunda. Muitos egípcios podem estar secretamente felizes com o fato de que seu Exército está lá para limitar os poderes da Presidência - mesmo sabendo que isso não soa muito democrático. Parece pouco provável que Hosni Mubarak - doente e com mais de 80 anos - viva para ver como tudo será resolvido. Então, no fim, a analogia entre sua saúde e o sistema que ele criou não se sustenta. Há uma certeza sobre o destino final que o aguarda - e o resto de nós, obviamente - mesmo que ele não possa saber quando o fim vai chegar. Mas o sistema que ele criou sobrevive ligado a aparelhos, que são operados pelo Exército egípcio. Ninguém pode dizer quando serão desligados, ou o que vai acontecer quando forem desligados. BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

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