'Se não tivermos certeza de que copiloto manipulou comando, tese desmorona'

Para consultor independente de segurança na aviação civil, dados do gravador de voz são insuficientes para comprovar que copiloto desceu avião intencionalmente

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Por Andrei Netto , Correspondente e Paris
Atualização:

PARIS - Piloto de caças da Força Aérea da França e da aviação comercial durante 35 anos, Henri Marnet Cornus tem mais de 17 mil horas de voo. Ao longo de sua carreira, pilotou aeronaves como Boeing 737, DC-10 e o Airbus A340, cuja tecnologia é exatamente a mesma do Airbus A320 da Germanwings que caiu nos Alpes no sul da França.

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Com base em sua experiência, Marnet Cornus se tornou referência entre consultores independentes de segurança na aviação civil da França, participando desde 2009 da investigação das causas do acidente com o voo AF-447, da Air France, que ia do Rio para Paris.

Como alguns outros experts do país, Marnet Cornus tem dúvidas sobre os dados que já foram revelados sobre a queda do Germanwings. 

O senhor considera plausíveis as hipóteses levantadas pelo procurador para a tragédia com o Airbus da Germanwings?

Não são mais hipóteses, mas fatos estabelecidos, a julgar pelas informações da Procuradoria da República. O procurador afirmou que houve uma vontade expressa de destruir o avião. Suas conclusões foram baseadas nos dados do Cockpit Vice Recorder (CVR), embora não tenhamos ainda o Flight Data Recorder (FDR), a segunda das duas caixas-pretas de um avião. 

Algo lhe surpreende na sequência de eventos que resultou na queda do avião?

Há algo que me surpreendeu muito na condição ex-comandante de bordo de Airbus A340, um avião que tem a mesma tecnologia do A320: o procurador afirma que o copiloto agiu de forma voluntária, utilizando um comando específico, o Flight Monitoring System, um controle que se localiza no cockpit, para descer o avião. Eu já manipulei esse comando muitas vezes e me pergunto: como podemos registrar o barulho de um comando que não faz barulho quando o manipulamos? Não sei de onde surgiu essa informação, mas não é possível registrá-la com o CVR. Não sei se houve manipulação ou se simplesmente há uma outra fonte de informação. E toda a teoria tem como base essa informação, porque ela muda a classificação do que aconteceu para um crime de homicídio voluntário, o que é grave.

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O senhor tem dúvidas sobre a lisura da investigação?

Não tenho outros elementos além dos que ouvi nos veículos de imprensa pela voz do procurador da República. O que questiono é que se não tivermos a certeza de que o copiloto manipulou esse comando, toda a tese desmorona.

A trajetória descendente do avião nos quase dez minutos que antecedem a queda não indica que o Flight Monitoring System foi acionado?

A trajetória indica que de fato o piloto automático foi desligado, e nesse momento ouve-se um alarme na cabine. Nesse caso, fica claro que o copiloto não quis ou não pôde intervir. O que me surpreende é que estamos indo muito rápido em uma investigação que deveria ser técnica, e que deveria considerar também o Flight Dada Recorder, a outra caixa-preta, onde estão registrados os parâmetros técnicos. Eu me faço muitas questões ainda sobre esse caso. Quando há interesses em jogo, quando envolve companhias como Airbus ou Boeing, tenho um pé atrás.

Mas outros casos de suicídios de pilotos já foram registrados na aviação civil. 

Não tive esse mesmo tipo de suspeita em outros casos. Não tenho a priori sobre outros suicídios já cometidos na aviação civil. Estou inclusive pronto a crer que o copiloto quis se suicidar. Mas o fato é que este comando, o Flight Monitoring System, não faz barulho. Me pergunto como essa informação chegou até o procurador. 

Em seus anos de experiência como piloto, o senhor já viveu casos de desequilíbrio emocional por parte de pilotos ou copilotos?

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Voei durante 35 anos na aviação comercial e como piloto de caças. Tive inúmeros parceiros em minhas 17 mil horas de voo e nunca tive nenhum problema em particular com um piloto, copiloto ou membro de tripulação. Todos sempre tivemos um objetivo único, que é a segurança. Os pilotos são pessoas equilibradas. Isso não impede que nos questionemos sobre se este copiloto estava em desequilíbrio mental, e que deve fazer com que as condições de trabalho de sua companhia low cost sejam investigadas. Sabemos que nesse tipo de companhia há casos de cansaço excessivo, condições de trabalho inadequadas, obrigações de rentabilidade a qualquer preço que eventualmente podem deixar traços em trabalhadores mais frágeis. O low cost não é a panaceia da aviação civil. 

A Lufthansa é uma companhia de referência no setor, com índices de segurança elevados, não?

Mas isso quer dizer que tudo é perfeito em uma companhia como a Lufthansa? Não creio. A perfeição não existe na aviação, em nenhuma companhia. Lufthansa tem boas estatísticas, é evidente. Mas, sobre a sua low cost, é certo que nem tudo é perfeito. É preciso analisar os arquivos da companhia, verificar com seus sindicatos, entrevistar seus funcionários para entender em que condições se dá a rotina de trabalho. 

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