Secessão anima outros movimentos

Do Cáucaso ao Tibete, grupos étnicos buscam seguir passos dos albaneses de Kosovo na direção da autonomia

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Por Cristiano Dias
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A divisão de um Estado multinacional como a Sérvia poderia abrir um precedente jurídico e causar um efeito em cascata que seria embaraçoso, principalmente para países europeus que lutam para manter a soberania em detrimento de minorias étnicas. O medo de estabelecer uma jurisprudência é a maior razão de a União Européia estar dividida sobre o assunto. Espanha, Eslováquia, Hungria, Grécia, Bulgária, Chipre e Romênia - que convivem com minorias étnicas - são contra a independência de Kosovo. Os mais otimistas dizem que esses países reconheceriam a nova nação em um segundo momento, mas teriam dificuldade para justificar isso no âmbito interno. Existe também oposição fora do bloco. A Turquia, apesar das boas relações com os albaneses, evita o tema porque tem de lidar com uma minoria curda em seu território. A posição da China é a mesma. Um precedente como esse abriria espaço para separatismo no Tibete e em Taiwan. Já os russos não querem Kosovo independente por uma série de razões. Além da afinidade histórica e religiosa com a Sérvia, a Rússia não tolera o nacionalismo checheno e também teme o ressurgimento de movimentos separatistas. O nascimento de Kosovo abriria um precedente para os movimentos separatistas do Cáucaso. Como já era esperado, as regiões da Abkházia e da Ossétia do Sul, de maioria russa, na Geórgia, anunciaram ontem que pedirão "em breve" à Rússia e à ONU que reconheçam sua independência. "Kosovo não é um caso único", disse Serguei Bagapsh, presidente da Abkházia. Além das duas regiões, Nagorno-Karabach, de maioria armênia, também deve tentar separar-se do Azerbaijão. O Transdniester, de maioria russa, teria um bom argumento para reivindicar sua independência da Moldávia. Para muitos analistas, a independência de Kosovo abre uma caixa de Pandora, que desestabilizaria também os Bálcãs. A Sérvia seria jogada na esfera de influência da Rússia e os nacionalistas, que quase venceram as eleições no início de fevereiro, ganhariam força. Duas outras conseqüências mais graves podem afetar a estabilidade dos Bálcãs. A primeira ameaça é a de separação do norte de Kosovo, onde vivem os sérvios. Na sexta-feira, os sérvios de Mitrovica, segunda maior cidade kosovar, anunciaram a criação de um Parlamento. Outra encrenca será impedir que o impasse atinja a Bósnia. O Acordo de Dayton, que pôs fim à guerra da Bósnia, em 1995, é um compromisso de convivência entre os três grandes grupos do país: croatas, muçulmanos e sérvios. A Bósnia foi dividida entre um Federação Croato-Muçulmana e a República Srpska, composta de sérvios, que está disposta a separar-se da Bósnia. Na Macedônia, o cenário também é sombrio. Os albaneses formam um quarto da população, que ocupa o nordeste do país. O Exército Nacional Albanês, uma espécie de facção do Exército de Libertação do Kosovo, conta com 12 mil homens e está em plena operação. O temor é o de que o mesmo roteiro seguido para justificar a independência de Kosovo se repita também na Macedônia. O cenário mais provável, segundo a maioria dos analistas, é que a declaração de independência de Kosovo seja reconhecida por parte da UE e pelos EUA, mas não pela Sérvia, Rússia e vários outros países. Kosovo pode jamais conseguir um lugar na ONU, já que Rússia e China têm o poder de vetar a entrada de novos membros. IUGOSLÁVIA DESINTEGRADA ESLOVÊNIA: Tornou-se independente da Iugoslávia em 1991. Membro da União Européia CROÁCIA: Independência em 1991. Candidato à UE BÓSNIA: Declarou-se independente em 1992. Após uma guerra sangrenta, dividiu-se, em 1995, em duas porções: uma Federação Croata-Muçulmanda e a República Sérvia da Bósnia Srpska MONTENEGRO: Deixou a federação que formava com a Sérvia em 2006 MACEDÔNIA: Independência em 1991. Candidato à UE SÉRVIA: Perdeu a influência sobre Montenegro em 2006 KOSOVO: Província de maioria albanesa separou-se da Sérvia CRONOLOGIA 1918 Reino Sérvio Kosovo integra-se ao Reino Sérvio após o fim do Império Otomano 1941 Itália Boa parte da região é assimilada pela Albânia, controlada pela Itália 1946 Iugoslávia Kosovo é absorvida pela Federação da Iugoslávia 1974 Autonomia Constituição prevê autonomia de Kosovo, que cria governo próprio 1989 Milosevic O presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, restringe a autonomia da região 1990 Independência Líderes albaneses declaram independência. Autoridades de Belgrado decidem dissolver o governo de Kosovo 1998 Tensões Policiais sérvios entram em confronto com kosovares separatistas. Otan dá um ultimato a Milosevic, exigindo fim de repressão 1999 Conflito Otan ataca a Iugoslávia. Refugiados albaneses relatam massacres promovidos pelos sérvios. Em julho, Milosevic retira suas tropas e a ONU organiza uma força de paz 2004 Votação Partido Liga Democrática, pró-independência, ganha as eleições gerais, boicotadas pela população sérvia 2006 Negociações ONU organiza diálogo sobre Kosovo. Um referendo na Sérvia apóia a nova Constituição, que declara a região parte do país 2007 Plano da ONU Enviado da ONU Martti Athisaari elabora plano de independência. O governo de Kosovo aceita, mas a Sérvia rejeita a proposta

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