
03 de dezembro de 2013 | 02h06
Mas agora há uma população que não faz parte da União Europeia, mas aclama loucamente a UE, exorta seus méritos, enfrenta policiais armados até os dentes e grita para o mundo seu desejo de Europa. Trata-se da população da Ucrânia, cuja capital, Kiev, há dois dias cobre-se de bandeiras azuis com as cores da UE.
Contudo, a Ucrânia oficial, do presidente Viktor Yanukovich, traçou em colaboração com o presidente russo, Vladimir Putin, um outro cenário. Juntos, decidiram vincular a Ucrânia não à UE, mas à Rússia. Putin manobrou brilhantemente. Tudo foi previsto, incluindo a enorme ajuda financeira e acordos econômicos vantajosos para uma Ucrânia arruinada. Do ponto de vista de Putin, o negócio "já estava fechado". Mas uma parte dos ucranianos não está disposta a aceitá-lo.
É isso que fascina na História. Ela faz o que lhe dá na cabeça. Foi dado um itinerário, mas, no último momento, um ator imprevisto entrou em cena e recusou o roteiro elaborado pelos políticos. E esse ator de último minuto é uma parte do povo ucraniano, que prefere uma outra alternativa.
Foi isso que ocorreu em Kiev. As pessoas saíram às ruas para dizer que amavam a União Europeia. A polícia investiu contra elas. As imagens da violência rodaram o mundo pelo Facebook e o Twitter, os pró-europeus perceberam que eram centenas de milhares e é assim que começam as revoluções.
E essa "revolução" irá até o fim? Podemos imaginar que Putin e seu aliado ucraniano não permanecerão inertes. Para Moscou, a Ucrânia é uma "pepita de ouro". Arrancada agonizante há 22 anos da União Soviética, um país outrora opulento e hoje arruinado por força da corrupção e das idiotices (tanto da parte de pró-russos quanto dos pró-europeus), a Ucrânia é uma peça fundamental do quebra-cabeças geopolítico imaginado por Putin.
É preciso saber que ela tem uma longa história em comum com a Rússia. A Ucrânia foi mesmo o berço, a célula que deu origem à nação russa, pois Kiev foi na verdade a primeira capital da Rússia, no ano 882. Mas em seguida o país hesitou entre seus vizinhos do oeste, do norte e do leste. Na confusão que se esboça hoje, encontramos esses tropismos históricos: o oeste e o norte da Ucrânia formam o núcleo europeu. O leste está vinculado à Rússia.
E a União Europeia? Durante os meses, anos, em que Putin preparou seu golpe para atrair a Ucrânia a sua órbita, Bruxelas tinha os olhos fixos em outro lugar. Passividade total. Os milhares de funcionários internacionais de alto escalão que proliferam em Bruxelas não viam nada. Estavam muito ocupados decidindo sobre a abertura das lojas europeias aos domingos. Não tinham um minuto para pensar e perceber que Putin preparava o tobogã ao pé do qual a Ucrânia cairia na zona de influência russa.
A vigorosa manifestação dos ucranianos favoráveis à Europa despertará os letárgicos de Bruxelas? Não será tarde demais? É difícil saber o que a Europa poderá fazer para conjurar o desastre ucraniano. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É CORRESPONDENTE EM PARIS
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