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Seis décadas de provocação

À beira de uma crise de nervos, sob os olhos preocupados dos EUA, as duas Coreias desafiam-se há 60 anos, desde o fim da guerra sangrenta que opôs o Norte, comunista, contra o Sul, capitalista, de 1950 a 1953. Devemos nos preocupar, hoje, quando o ditador do Norte, Kim Jong-un, entra em transe mais uma vez contra os EUA e a Coreia do Sul, como antes faziam seu avô, Kim Il-sung, e, depois, seu pai, Kim Jong-il? À primeira vista, não há motivo para pânico: as duas partes mutiladas do território coreano entram regularmente em erupção, manobram suas tropas como soldadinhos de chumbo, cantam hinos guerreiros e, então, retornam às casernas. No entanto, cada uma dessas crises de nervos é mais perigosa do que a anterior porque, ao longo dos anos, o Norte não cessou de fortalecer seu efetivo - hoje de 1.160.000 homens - e montar um enorme arsenal com mísseis e bombas nucleares. A crise atual diz respeito a esse arsenal. Em dezembro, Pyongyang lançou um míssil de longo alcance. Depois, em 12 de fevereiro, realizou um terceiro teste nuclear. Em seguida, Pyongyang, sob o pretexto dos exercícios militares realizados anualmente pelo Sul e os EUA, pôs as tropas em alerta e suspendeu comunicações com Washington. Declarou-se em estado de guerra com o Sul - uma decisão inócua, pois, embora as duas Coreias tenham firmado um armistício em 1953, jamais assinaram um tratado de paz. Jovem e inexperiente, Kim, com seu rosto de bebê, não poupa palavras. Não basta ameaçar a Coreia do Sul (o "irmão inimigo"). Ele ameaça também lançar alguns mísseis sobre os EUA. Anuncia agora a retomada das operações da instalação nuclear de Yongbyon, dotada de um reator de 5 megawatts, a única fonte de plutônio para o programa nuclear militar. Pouco tempo antes, Kim expôs sua filosofia ao Comitê Central do Partido dos Trabalhadores: "Nosso poderio nuclear é uma força de dissuasão confiável e a garantia da preservação da nossa soberania". Washington não baixou a guarda. Reforçou a presença aérea, enviando, além dos seus bombardeiros B-52 e dos bombardeiros B2, caças Stealth F-22 Raptor que acabam de chegar ao Sul. Não devemos esquecer que a cooperação militar entre a Coreia do Sul e os EUA continua estreita: Washington mantém na Coreia do Sul 25 mil soldados (o Japão tem ali 50 mil homens). Seul leva a situação muito a sério. A presidente Park Geun-hye declara: "Haverá uma resposta violenta e imediata no caso de uma nova provocação". Park Geun-hye não é uma dama fácil de lidar. Ela é a líder dos falcões da Coreia do Sul. Seu ministro da Defesa não excluiu ataques preventivos para destruir instalações militares do Norte. Resta saber qual é a capacidade de perturbação real do Norte. Não é negligenciável, mas daí a constituir uma verdadeira ameaça contra os EUA há uma distância muito grande. Quando muito, bombas nucleares só chegariam a tocar a ponta do Alasca. Além disso, mesmo que os diplomatas reconheçam que a tensão atinge um grau jamais visto desde 1953, eles excluem a hipótese mais temível. Juliette Morillot, especialista francesa em Coreia do Norte, considera três hipóteses. A primeira, uma guerra aberta provocada por um bombardeio norte-coreano contra alvos dos EUA, causando uma reação americana fulminante. A segunda hipótese é a de um erro de avaliação da Coreia do Norte, o que acarretaria igualmente uma reação impiedosa. E, finalmente, a mais plausível, escaramuças na fronteira.

Por Gilles Lapouge
Atualização:

Tradução de Anna Capovilla.

* Gilles Lapouge é correspondente em Paris.

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