Sem emprego, vítimas seguiam passos de irmãos que viviam fora

Dólares e euros enviados do exterior por imigrantes, movimentam o comércio de várias cidades da região

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Por Marcelo Portela e SARDOÁ (MG)
Atualização:

Juliard Aires Fernandes, de 20 anos, e seu amigo Hermínio Cardoso dos Santos, de 24 - cujo corpo ainda não foi identificado, mas deve estar entre as vítimas do massacre de 72 imigrantes no México -, tentavam entrar nos EUA seguindo os passos de irmãos, outros parentes e dezenas de conhecidos que se arriscaram há anos na perigosa travessia clandestina para outro país, principalmente os EUA.Juliard, por exemplo, tem os irmãos Márcio Aires Fernandes, de 30 anos, e Ronaldo Aires Fernandes, de 33, vivendo há oito anos nos EUA. Também tem uma tia, primos e primas morando ilegalmente no país. "Aqui não tem nenhuma condição para jovens trabalharem. Ele (Juliard) via o pessoal fora dando certo. Eu não podia segurá-lo aqui", desabafou o pai, Alírio Aires Fernandes, de 66 anos. Já Ivanete Cardoso dos Santos, irmã de Hermínio, está desde o fim do ano passado na Itália, país para o qual voltou depois de já ter passado uma temporada lá alguns anos atrás. O pai, Antônio Ramos dos Santos, de 64 anos, observa que ela só voltou da primeira vez porque teve dificuldade com a língua, mas retornou à Itália em dezembro, após fazer um curso de italiano. Ele conta que, por causa do exemplo da irmã, há sete anos Hermínio já planejava deixar o País para trabalhar. O rapaz tentou ir para Portugal, mas foi deportado ao tentar entrar na Espanha. Depois, seguiu para a Itália, mas após nove meses foi mandado pelas autoridades italianas de volta para o País, sem dinheiro nem mesmo para pegar um voo de São Paulo até a região onde mora. "Ele não conseguiu achar serviço. Teve de voltar pegando vários ônibus", relatou a mãe de Hermínio, Maria Cardoso dos Santos, de 58 anos. As cidades de Sardoá e Santa Efigênia de Minas, assim como várias outras do Vale do Rio Doce e do leste de Minas, têm sua economia movida principalmente por dólares e euros enviados do exterior. Ambas têm aproximadamente 20% de seus cidadãos vivendo clandestinamente em outros países, além de pessoas que viveram fora e voltaram para construir casas e comércios nos municípios de origem."Dos 5.100 habitantes, cerca de 1.000 ou 1.100 moram no exterior. Aqui, não há uma família que não tenha pelo menos uma pessoa no exterior", ressaltou o prefeito de Sardoá, Edivaldo Carvalhais de Souza (PSDB). Ele afirma que os destinos preferidos são EUA, Portugal, Espanha e Itália, mas há pessoas da cidade vivendo até no Japão e Nova Zelândia, sempre enviando dinheiro para a família. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB do município, em 2002, foi de R$ 12,7 milhões. De acordo com o prefeito, pelo menos 15% desse total vem de fora do País. "O dinheiro enviado para as família movimenta muito o comércio e a construção. E hoje todo mundo, incluindo o pessoal que vive na roça, tem DVD, celular rural, moto e carro", diz."Só que isso (o êxodo) também traz problemas. Tem muitas famílias desfeitas e há casos em que a pessoa compensa a ausência mandando presentes para os filhos. Tem menino de 14 anos na cidade com moto. Mas a família fica desestruturada", acrescentou o secretário de Assistência Social do município, Amilton Leite da Silva.A prefeitura de Sardoá descartou ontem a possibilidade de duas moradoras da cidade também terem sido mortas por traficantes do cartel mexicano Los Zetas. As duas, que não estavam no mesmo grupo de Juliard e Hermínio, entraram em contato com parentes.

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