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Sem estratégia mais ampla, ataque dos EUA na Síria fortalece posição de Assad

Turquia afirma que bombardeio com mísseis Tomahawk ordenado por Trump será apenas ‘cosmético’ se não estiver acompanhado de um plano robusto para depor o líder sírio; analistas avaliam guinada da Casa Branca como possível sinal de fraqueza

Por Cláudia Trevisan , Cambridge e EUA
Atualização:

CAMBRIDGE, EUA - O ataque ordenado pelo presidente Donald Trump contra a Síria enviou uma mensagem ao regime de Bashar Assad, mas seu impacto futuro será nulo se não for acompanhado de uma estratégia ampla para colocar fim à guerra civil que tirou a vida de 400 mil pessoas desde seu início, há seis anos, avaliam analistas de política externa dos Estados Unidos.

Ainda não está claro se o disparo de 59 mísseis contra a base aérea de Shayrat foi uma ação isolada ou o primeiro passo para um maior envolvimento militar americano no país. A ação foi celebrada pelo establishment dedicado à segurança nacional em Washington, mas alguns temem que ela tenha sido resultado de um impulso emocional do presidente, que não teria clareza sobre os passos seguintes.

O presidente dos EUA, Donald Trump,ordenou o bombardeio a pistas de pouso, aviões e centrais de abastecimento na Síriana primeira ofensiva militar direta contra posições do governo do líder Bashar Assad Foto: Ford Williams/Courtesy U.S. Navy/Handout via REUTERS

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Trump ordenou o disparo de mísseis depois de ver imagens de crianças mortas ou agonizando sob o impacto do ataque com armas químicas na terça-feira, cuja autoria seu governo atribui a Assad. A ação representou uma guinada radical em relação a posições não intervencionistas que o presidente defendeu durante a campanha e contrastou com sinais amistosos recentes enviados por integrantes de seu governo ao presidente sírio. 

Poucos dias antes da ofensiva, o secretário de Estado, Rex Tillerson, declarou que os Estados Unidos não tinham interesse em afastar Assad do poder e focariam seus esforços no combate ao terrorismo.

A ofensiva militar dos Estados Unidos foi considerada insuficiente pelo ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu. “Se essa intervenção é limitada apenas a uma base aérea, se ela não continuar e se nós não removermos o regime do comando da Síria, ela continuará a ser uma intervenção cosmética.” 

Daniel Byman, do Centro de Políticas para o Oriente Médio do Brookings Institution, diz que ataques pontuais como os realizados na quinta-feira não têm um bom histórico. “Ações desse tipo são com frequência descritas como ‘simbólicas’, mas na realidade elas normalmente indicam fraqueza, não determinação”, escreveu em análise publicada no site Lawfare. “O ditador ou terrorista alvo do ataque acaba sofrendo pouco, mas costuma parecer mais forte porque sobreviveu a um ataque dos Estados Unidos e pode se gabar de sua resistência.”

Para ter credibilidade e mudar o cálculo de Assad, a ação deveria ser seguida por outras semelhantes, avaliou Byman, que defendia uma posição mais incisiva da administração Barack Obama na crise síria. O analista também teme que a ofensiva militar não seja acompanhada de esforços diplomáticos coordenados por outros países para buscar uma solução negociada para o conflito. “Não está claro que tipo de acordo político os Estados Unidos desejam para a Síria e quais atores Washington quer fortalecer.”

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Na avaliação de Melissa Dalton, do programa de Segurança Internacional do Center for Strategic and International Studies (CSIS), Trump deveria usar sua atual posição de força para mobilizar outros países em um esforço de pressão sobre a Rússia, para que Vladimir Putin convença Assad a concordar com um cessar-fogo e a retornar às negociações que buscam uma saída política para a crise. Moscou é o principal aliado do governo sírio e luta a seu lado no conflito.

Tillerson afirmou na quinta-feira que o ataque aumentou a credibilidade dos Estados Unidos na frente diplomática. Em sua avaliação, os participantes das negociações saberão que Trump está disposto a usar a força “de maneira que seu antecessor não estava”. 

Obama ameaçou bombardear a Síria em 2013, quando outro ataque com armas químicas matou quase 1.500 pessoas, mas voltou atrás depois de a Rússia chegar a um acordo com Assad para retirada de seu arsenal de substâncias letais do país.

Mudança. Dias depois de afirmar que os Estados Unidos não estavam interessados na saída de Assad do poder, Tillerson defendeu seu afastamento na quinta-feira. “Por meio do processo de Genebra, nós vamos começar um processo político para resolver o futuro da Síria em termos de sua estrutura de governança, e isso vai em última instância, em nossa visão, levar a uma solução para a saída de Bashar Assad.” Obama tentou exatamente isso, sem sucesso.

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“A questão essencial é o que ocorrerá em seguida?”, afirmou Anthony Cordesman, analista militar do CSIS. “Reagir à morte de menos de cem sírios por envenenamento não é solução para a penosa realidade do conflito sírio.” 

Mas a ampliação da ação militar dos Estados Unidos enfrenta uma série de desafios legais e políticos. Depois das guerras no Afeganistão e no Iraque, não está claro se o público americano apoiaria uma nova intervenção incerta em outro país do Oriente Médio e uma mudança nessa direção teria de ser aprovada pelo Congresso. 

Do ponto de vista do Direito Internacional, Washington também precisaria de autorização do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) para agir, algo improvável diante do poder de veto da Rússia e da China. Mas a embaixadora americana na organização, Nikki Haley, deixou claro que os Estados Unidos estão dispostos a ignorar formalidades e agir sozinhos caso não haja consenso entre os países sobre o rumo a seguir.

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Conflitos paralelos da guerra síria 
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