Senado dos EUA divulga nesta terça-feira relatório sobre tortura

Documento comprova abusos cometidos pela CIA em interrogatórios conduzidos após ataques do 11 de Setembro

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Por Cláudia Trevisan , de WASHINGTON e CORRESPONDENTE
Atualização:

WASHINGTON - Representações diplomáticas e militares dos Estados Unidos no exterior foram colocadas em alerta de segurança em razão de possíveis atos de violência gerados pela divulgação de relatório que trata da prática de tortura pela CIA nos anos seguintes aos atentados de 11 de setembro de 2001. Preparado pelo Comitê de Inteligência do Senado, o documento deve ser divulgado nesta terça-feira, 9, com meses de atraso em relação ao cronograma original.

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O que virá à público é um resumo de 480 páginas do relatório, um calhamaço de 6.200 páginas, a maioria das quais continuarão a ser tratadas como sigilosas. Nele, a CIA é acusada de utilizar técnicas de interrogatório ilegais, de enganar a Casa Branca e o Congresso sobre o tratamento de suspeitos de atos terroristas e de colocar obstáculos à investigação realizada pelo Comitê de Inteligência do Senado sob a liderança da senadora Dianne Feinstein.

A preocupação com as consequências da divulgação do documento levou o secretário de Estado, John Kerry, a telefonar para Feinstein na sexta-feira e pedir que ela considerasse a atual situação global na escolha do melhor momento para dar publicidade à investigação. A porta-voz de Kerry, Jen Psaki, disse ontem que em nenhum momento o secretário pediu que o anúncio fosse adiado.

Secretário de Estado, John Kerry, pode ter pedido que reconsiderassem a divulgação dos dados Foto: AFP

Oficialmente, a administração de Barack Obama apoia a investigação e é favorável à divulgação de suas principais conclusões. Ainda assim, existe o temor de que o documento seja usado como arma de propaganda por extremistas, coloque em risco a vida de reféns americanos que estão em poder do Estado Islâmico e outras organizações e dê origem a atos de violência contra cidadãos e instalações americanas no exterior.

Mas um eventual adiamento colocaria em risco a divulgação do relatório, já que o Senado passará a ser controlado pelos republicanos a partir do dia 1.º de janeiro. Partidários de George W. Bush –em cujo governo ocorreram as irregularidades-, eles se opõem à revelação do conteúdo da investigação. Com a posse do novo Congresso, a democrata Feinstein será substituída pelo republicano Richard Burr.

No domingo, o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Deputados, Mike Rogers, do Partido Republicano, classificou como uma “ideia terrível” a publicidade da investigação. “Nossa própria comunidade de inteligência avaliou que isso vai provocar violência e mortes”, disse Rogers em entrevista à rede de TV Fox News.

Em declarações à CNN no domingo, Bush criticou o relatório, apesar de reconhecer que não o leu. “Nós somos afortunados de ter homens e mulheres que trabalham duro na CIA em nosso benefício. Esses são patriotas. E não importa o que o relatório diga, se ele diminuiu a sua contribuição para o nosso país, ele está equivocado.”

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Para Feinstein, a divulgação do documento é uma maneira de prevenir a repetição da prática de tortura pelo Estado. “Qualquer pessoa que leia isso nunca deixará que isso aconteça de novo”, disse a senadora ao jornal Los Angeles Times. Segundo ela, as técnicas de interrogatório descritas no documento minaram os valores “sociais e constitucionais” dos quais os americanos se orgulham.

O uso da tortura foi justificado em uma série de memorandos escritos por consultores jurídicos do governo Bush a partir do início de 2002. O principal argumento era o de que os suspeitos de pertencer a organizações como Al Qaeda e Taliban não estavam sujeitos à proteção dada pela Convenção de Genebra a prisioneiros de guerra.

Além disso, os interrogatórios ocorriam em prisões ou instalações localizadas fora do território dos Estados Unidos, o que, ao menos em tese, suspendia a aplicação das garantias previstas na legislação do país.

Quando chegou ao poder, em 2009, Obama revogou o arcabouço jurídico construído na gestão de seu antecessor para justificar abusos em interrogatórios. E em entrevista coletiva na Casa Branca no dia 1º de agosto, ele se referiu aos procedimento como tortura: “Nós fizemos algumas coisas que eram erradas. Nós fizemos várias coisas certas, mas nós torturamos umas pessoas. Nós fizemos coisas que contrariavam nossos valores”.

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