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Sentença sobre Lockerbie pode revelar intenções de Kadafi

Por Agencia Estado
Atualização:

Um grande processo foi concluído hoje: os dois líbios acusados do atentado de Lockerbie (cidadezinha da Escócia) e intimados a um tribunal escocês sediado na Holanda (em Camp Zeist) receberam sua sentença: o "cabeça" desse atentado, Abdel Basset El Megrahi, é culpado de homicídio e foi condenado à prisão perpétua. O segundo suspeito líbio, Al Amine Khalifa Fhimah, "inocente", foi absolvido. O atentado de Locherbie aconteceu no dia 21 de dezembro de 1988. Naquele dia, um avião da Pan Am explodiu, e morreram 270 pessoas (259 passageiros e 11 moradores de Lockerbie). O acontecimento impressionou muito devido ao horror de uma carnificina como essa. Mas também porque esse atentado se deu no meio dos delírios terroristas que inflamavam, então, o mundo e, principalmente, alguns países árabes. O atentado teria sido comandado, disseram os investigadores, pelos iranianos dos serviços especiais sírios para vingar o atentado em um avião iraniano Airway durante a guerra entre o Iraque e o Irã. Mas acontece que os sírios não podiam agir por causa da prisão de seus cúmplices na Alemanha. Foi então que apelaram para os líbios, que conceberam o plano e o executaram. Isso foi no passado. Hoje, embora o terrorismo não tenha se extinguido, as configurações políticas evoluíram. É neste sentido que o veredito do Tribunal Escocês de Camp Zeist abre uma clareira: uma oportunidade de acabar com as sujas lembranças das loucuras terroristas de Kadafi. É assim que as autoridades de Trípoli pretendem tratar a questão. Tudo indica que a Líbia aceitará o veredito de Camp Zeist. Ela suspenderá as hostilidades. E, com isso, espera duas conseqüências: suspensão das últimas sanções feitas, pela ONU, contra a Líbia após o atentado em Lockerbie. Além disso, Kadafi tem um objetivo mais ambicioso: reintegrar seu país na constelação dos países freqüentáveis e reatar relações com os Estados Unidos. Essa idéia não é nova. Há anos que Kadafi quer se livrar desse "rótulo" de terrorista internacional que o estigmatiza. O ano 2000 assistiu a uma grande ofensiva líbia nessa direção. No dia 1º de setembro, Kadafi anunciou que "o imperialismo ocidental" morreu. Conseqüentemente, é possível abrir uma nova era de cooperação com os antigos inimigos, sobretudo com os Estados Unidos. E ele se movimentou. Desempenhou um papel decisivo na libertação dos reféns ocidentais que haviam sido capturados, na ilha de Jolo, por islamitas indonésios. Kadafi prometeu não financiar mais os movimentos guerrilheiros africanos ou do Oriente Médio. É dele essa frase comovente (é de chorar de emoção!): "Enquanto os chefes africanos me pedem armas, eu lhes dou hospitais". Os ocidentais aproveitaram a oportunidade. No final do ano 2000, o ministro alemão das Relações Exteriores foi a Trípoli, um espetáculo inédito. E é preciso reconhecer que os sorrisos de Kadafi são bem recebidos. Em primeiro lugar, porque o mundo inteiro tem interesse em ver Trípoli renunciar a suas proezas pirotécnicas (no estilo Lockerbie). E a Líbia não é negligenciável: é um país do petróleo e é rica, rica... A Líbia ganha só com o seu petróleo 10 bilhões de dólares por ano por seus 1,5 milhão de barris diários. É um belo "bolo". Mas Kadafi não mexe nesse bolo: o destino dos líbios continua precário. Ao mesmo tempo em que esse país é, devido ao petróleo, o mais rico da região, é bem menos equipado que os pequenos países vizinhos, como a Tunísia. O salário de um professor líbio é de 1.200 dólares por ano. Quando um líbio fica doente, tem de se tratar em um país vizinho (Tunísia). As estradas são lamentáveis. Por que essa "avareza" do Estado, em um país opulento? Há duas hipóteses: a primeira é de que Kadafi não quis se lançar em programas caros (hospitais, estradas escolas) com o objetivo de incitar os Estados Unidos a suspender as sanções. Se for isso, como é provável que as sanções sejam suspensas após o veredicto de Lockerbie, estamos na véspera de uma retomada das atividades na Líbia. Mas circula uma outra hipótese: Kadafi continuaria povoado de sonhos delirantes que alimenta há tantos anos. Ele gostaria de encabeçar um movimento em prol dos "Estados Unidos da África" do qual a Líbia seria o dirigente natural. "Kadafi utilizou os lucros do petróleo como uma força libertadora, investindo-os na luta dos povos oprimidos do mundo", dizem as altas esferas do poder em Trípoli. Entre essas duas hipóteses, de qual tomar partido? Logo o saberemos, agora que a purulência produzida pela ignomínia de Lockerbie parece ter encontrado sua solução.

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