21 de junho de 2018 | 05h00
Até agora o trumpismo tem sido um crime sem vítimas. Ou, para ser exato, um crime cujas vítimas são anônimas. O presidente Donald Trump vem provocando graves danos à nossa democracia com seus ataques à imprensa, ao FBI, aos negros e à oposição. Do mesmo modo, vem prejudicando muito a posição internacional dos Estados Unidos, atacando aliados, elogiando inimigos, iniciando guerras comerciais e rasgando acordos internacionais.
Nos EUA, um depósito de crianças sem papéis
Muitas pessoas têm alertado que os EUA pagarão um preço muito alto no longo prazo por esses atos destrutivos de Trump. No entanto, é difícil citar pessoas que já foram atingidas. As guerras comerciais, por exemplo, já afetam principalmente os fazendeiros de Iowa e as montadoras de Michigan, mas grande parte do impacto se dissipará para os consumidores e pode nem ser notado imediatamente.
No entanto, com sua política desumana de separar os filhos de imigrantes ilegais de seus pais na fronteira com o México, o presidente finalmente oferece um exemplo ao vivo, direto para a câmera, de como suas medidas estão destruindo as vidas de pessoas comuns. Este caso vai muito além de outros anteriores, como o dos imigrantes deportados depois de décadas contribuindo para o país, O sofrimento de adultos não desperta tanto a simpatia popular como no caso de crianças maltratadas.
As mais de 2 mil crianças tiradas de suas famílias em um período de seis semanas e estocadas em locais que algumas pessoas comparam aos campos de concentração nazistas, não são vítimas teóricas e presumidas. São muito reais e sua terrível situação é algo deplorável. Finalmente, o impacto do trumpismo tem um rosto: o de uma menina hondurenha de 2 anos aos prantos cuja foto foi estampada na capa do New York Daily News com o título: “Cruel. Brutal. Covarde. Trump.”
Desespero. E não é somente o Daily News – um crítico regular do presidente – que considera essa política de separação de famílias repugnante. Também o seu concorrente, o New York Post, um dos grandes apoiadores de Trump e, segundo consta, o seu favorito. A mesma mensagem foi enviada pela normalmente apolítica ex-primeira-dama Laura Bush, que comparou a detenção das crianças imigrantes à detenção dos americanos japoneses na 2.ª Guerra.
Outro que também se manifestou foi o líder evangélico Franklin Graham, que sempre fez apologia de Trump. Ele qualificou a medida de “vergonhosa” e “terrível”. Até mesmo Melania Trump, atual primeira-dama, condenou a separação das famílias.
Esta política é tão horrenda que Trump e seus subordinados se sentem compelidos a mentir, afirmando que estão apenas colocando em prática uma legislação que os democratas se recusam a revogar – embora estes decretos sádicos sejam inteiramente resultado de uma decisão política do Executivo. Por que o presidente faz algo assim tão funesto? Porque Trump está desesperado.
Sua prioridade número um tem sido barrar a chegada de imigrantes na fronteira. Mas, em maio, foram presas mais de 50 mil pessoas cruzando a fronteira pelo terceiro mês consecutivo. Um número três vezes maior do que o registrado em maio de 2017, mostrando que, apesar de todo “fogo e fúria”, ele não conseguiu proteger a fronteira com o México.
Falta de apoio. Fracassando em sua principal tarefa, ele então ataca mulheres e crianças indefesas na esperança de que sua falta de humanidade possa dissuadir outros imigrantes. Diante da indignação generalizada que esta política diabólica desencadeou, você deve concluir que o presidente finalmente foi longe demais. Salvo num aspecto.
Os carneiros em roupagem republicana rejeitam romper com ele, mesmo diante de um fato tão cruel. Quarenta e nove senadores apoiaram a lei da senadora democrata Dianne Feinstein, batizada de Keep Families Together (“Mantendo as famílias unidas”), mas nenhum republicano a respaldou. Mesmo a senadora Susan Collins, do Estado do Maine, republicana bastante moderada, criticou a política de separação de famílias, mas não há apoio para revogá-la.
Só posso especular que o Partido Republicano, ao ver a sorte de críticos do presidente, como o deputado Mark Sanford, republicano da Carolina do Sul, que foi derrotado na sua primária depois de o presidente, pelo Twitter, apoiar seu oponente – têm tanto medo de ir contra o vingativo homem forte da Casa Branca que voluntariamente estão se afastando do sentido do que é certo e errado.
Covardia. Portanto, não faz nenhuma diferença o fato de as vítimas de Trump finalmente serem visíveis – e lastimavelmente serem crianças. Seus aliados republicanos são tão covardes, tão insensíveis e tão abjetos em sua desonra que permitirão qualquer sofrimento humano para não se arriscarem a suportar a ira do presidente.
No final, Trump pode acabar decidindo acabar com a política de separação de famílias simplesmente para conter o dilúvio de publicidade desastrosa para ele, mas não será forçado a agir pelo Congresso. Se ele mantivesse no país os imigrantes latino-americanos trabalhadores e deportasse esses desprezíveis e covardes republicanos, isso realmente aumentaria a grandeza dos Estados Unidos. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
É COLUNISTA
Encontrou algum erro? Entre em contato
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.