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Sessenta dias após as eleições, coalizão na Espanha fica mais distante

Socialista Pedro Sánchez depende do radical de esquerda Pablo Iglesias para governar, mas condições complicam uma aliança

Por Andrei Netto , CORRESPONDENTE e PARIS
Atualização:

A Espanha completa neste fim de semana 60 dias de um inédito impasse político, após as eleições de 20 de dezembro que resultaram na vitória amarga do atual primeiro-ministro, Mariano Rajoy, e na fragmentação do Parlamento em quatro grandes partidos. A pedido do rei Felipe VI, o líder do Partido Socialista (PSOE), Pedro Sánchez, negocia a formação de um governo de coalizão de esquerda. Mas as chances de um acordo que ponha fim à incerteza são cada vez menores.

Em conversa com premiê britânico em Bruxelas, Rajoy admite que ocorrerão novas eleições Foto: EFE/LAURENT DUBRULE

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O período de instabilidade teve início com a insuficiente vitória de Rajoy e do Partido Popular (PP) nas eleições. Em um Congresso de Deputados dividido em quatro grandes partidos – e não mais dois, como acontecia desde 1982 –, a agremiação do atual premiê somou 119 assentos, longe da maioria absoluta de 176 necessária para governar. Alvo de sucessivos escândalos de corrupção, o conservador acabou isolado porque nenhum dos líderes da oposição aceita um governo de minoria.

Sem escolha, Rajoy se retirou – temporariamente – da disputa, levando o rei a pedir ao segundo colocado, Sánchez, que tente formar um governo de coalizão. Mas, com 89 deputados eleitos, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) também encontra dificuldades de obter o apoio dos dois novos partidos, Podemos, radical de esquerda, e Ciudadanos, de centro direita.

O resultado é que a conta não fecha. Mesmo que reúna o apoio de Alberto Rivera, líder do Ciudadanos, da Esquerda Republicana e de movimentos independentistas da Catalunha e do País Basco, a coalizão de Sánchez teria 152 deputados e seria incapaz de assumir o poder, com os vetos do PP e do Podemos.

Resta uma alternativa: um governo que reúna PSOE, Podemos, Esquerda Republicana e independentistas catalães e bascos. Essa formação teria 177 assentos no Congresso de Deputados – a maioria absoluta. O problema é que o líder do Podemos, Pablo Iglesias, tenta impor um programa de governo com € 24 bilhões em novas despesas, além de roubar o protagonismo de Sánchez.

Consciente da falta de alternativas, Sánchez aceitou na sexta-feira uma reunião de trabalho com Podemos e Esquerda Republicana e catalães. "Confirmo nossa disposição de participar da reunião, com o objetivo de pactuar um programa para a posse, que projete um governo progressista e reformista", disse o socialista. Iglesias mostrou-se aberto: "Eu tenho interesse em me encontrar com Pedro Sánchez, e se ele for à reunião, é claro que eu iria", disse o radical, deixando claro que só aceitará discutir uma coalizão, e não um voto favorável à posse do PSOE, sem seu partido. "Tem de ver o que se está negociando: se um governo ou a posse", condicionou.

Para cientistas políticos espanhóis ouvidos pelo Estado, as chances de acordo entre Sánchez e Iglesias são reduzidas, e cresce a perspectiva de novas eleições. "O ponto central são os cálculos estratégicos que os atores estão fazendo neste momento. Em termos de teoria dos jogos, tudo leva a crer que não haverá cooperação entre os atores", diz Bruno Ayllon, cientista político da Universidade Complutense de Madrid.

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Manuel Cervera-Marzal, cientista político espanhol da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), entende que PSOE e Podemos já estão, na realidade, disputando a hegemonia como maior partido da esquerda. "Iglesias desempenha o papel de tático, impondo suas condições para um governo, de forma a colocar a bola no campo de Sánchez e impor ao PSOE a responsabilidade pelo fracasso. Já o PSOE acusa o Podemos de fazer uma falsa proposta de governo", explica. "Creio que todos estão compreendendo que vamos caminhar para novas eleições. A questão é quem vai levar a responsabilidade pela falta de um acordo."

No fim da semana, essa perspectiva parecia cada vez mais concreta. Em Bruxelas, um diálogo privado captado pelos microfones entre Rajoy – que Ayllon e Cervera-Marzal consideram um zumbi político – e o premiê britânico, David Cameron, deixou evidente o cálculo que todos os partidos políticos já estão fazendo. "O mais provável", disse o conservador, "é que tenhamos novas eleições em 26 de junho".

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