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Síria expulsa diplomatas e ONU deve prover ajuda em cenário de guerra

Por JAMIL CHADE , CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:

Enquanto Damasco expulsava ontem diplomatas ocidentais e entrava em conflito aberto com opositores - numa indicação de fracasso do plano de paz traçado pelo ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan -, a ONU já desenhava uma estratégia humanitária para um cenário de guerra civil na Síria. A organização e Damasco chegaram a um acordo em Genebra para autorizar a entrada de remédios e alimentos no país. Numa mensagem de alerta, o governo saudita advertiu que os países do Golfo Pérsico começam a perder suas esperanças na capacidade de Annan, enviado especial da ONU e da Liga Árabe, de evitar um conflito.O acordo fechado em Genebra autoriza a entrada de equipes de assistência humanitária na Síria. Oficialmente, o pacto está sendo apresentado como um sinal de cooperação do regime de Bashar Assad. Mas diplomatas disseram ao Estado que a autorização só foi concedida depois de ter ficado claro para Damasco que a situação da população em meio ao conflito é crítica. Diante da constatação de que um cessar-fogo é uma realidade distante, a expectativa é a de que a crise - que atinge aproximadamente 1 milhão de pessoas, segundo estimativa da ONU - deve se aprofundar."A situação pode piorar", admite a ONU num documento ao qual o Estado teve acesso. O relatório detalha como os recursos da ajuda humanitária serão utilizados. "Os sírios precisam de ajuda urgente", aponta a entidade. A Síria promete permitir que a ONU estabeleça quatro locais para fazer a distribuição da ajuda, uma demanda que há meses a entidade havia feito a Assad. Fica autorizada a entrada de sete ONGs internacionais e a concessão de vistos para seus funcionários. "Depois de uma longa negociação, há um acordo. Mas papéis não têm nenhum significado se as medidas não forem adotadas", disse John Ging, diretor de operações da Coordenação da ONU para Assuntos Humanitários. "A boa-fé do governo da Síria será testada", afirmou. Segundo os documentos internos da ONU, a preocupação é a de que o impacto do conflito seja ampliado por um volume ainda maior de pessoas nos próximos meses. Ontem mesmo, o governo da Turquia revelou que 2,7 mil sírios cruzaram a fronteira em busca de refúgio apenas nos últimos cinco dias. Um dos principais efeitos dos combates que já duram 14 meses é o aumento da pobreza, com queda da renda de milhares de famílias. No total, 1.500 escolas foram atingidas e "dezenas de milhares de crianças estão psicologicamente afetadas". Falta combustível e famílias que haviam abandonado suas casas hoje têm dificuldades para pagar novos alugueis. A ONU admite que as sanções econômicas impostas à Síria pelo Ocidente para pressionar Assad têm também "agravado a situação" e causado danos a toda a população. Num capítulo que trata da situação da saúde no país, as Nações Unidas alertam que as sanções atingiram a indústria de remédios da Síria, que era capaz de fornecer 90% dos produtos consumidos nos hospitais. "A manutenção de equipamentos médicos está afetada", aponta o relatório. O acesso a alimentos também foi duramente afetado pelo conflito e pelo embargo. Hoje, preços de produtos básicos estão até 80% mais altos do que no começo da crise. Fertilizantes são escassos e a produção agrícola decaiu fortemente no ano. Retaliação. A decisão do governo sírio de expulsar 18 embaixadores e diplomatas de vários países ocidentais, incluindo o dos EUA, foi uma resposta à decisão de Washington e de mais de dez governos da Europa e da Ásia de ordenar a saída dos representantes sírios como forma de protesto pelos massacres de Hula, que deixaram 108 mortos. Foram expulsos os embaixadores de EUA, França, Grã-Bretanha, Suíça, Turquia, Itália e Espanha, assim como os representantes de negócios de Bélgica, Bulgária, Alemanha e Canadá, segundo um comunicado oficial de Damasco. Washington, Londres, Berna e Paris já tinham retirado embaixadores, alegando preocupações com a segurança do pessoal diplomático. O Brasil não expulsou o embaixador sírio."Esperamos muito tempo para que os demais países mudassem suas políticas e oferecemos apoio ao plano Annan. Mas lamentamos ter sido forçados a tomar essa medida, já que esses países não querem que a missão da ONU tenha sucesso", afirmou Faisal Makdad, vice-ministro de Relações Exteriores da Síria. Segundo o Observatório Sírio de Direitos Humanos, 113 soldados do regime foram mortos em apenas 5 dias, em confrontos com a oposição. Só ontem, o número de mortos foi de 47 - quase todos militares e rebeldes, numa indicação do retorno dos choques diretos entre forças pró e contra o regime.As tropas de Assad desafiaram ontem a pressão internacional e lançaram-se em uma ofensiva para sufocar rebeldes na província costeira de Latakia, até agora deixada de fora do centro do conflito. O confronto teria sido um dos mais violentos desde o início da crise, apoiado por ataques de helicópteros. Homs também foi alvo de ataques, fazendo a ONU temer um retorno ao cenário do início do ano.

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