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Sísifo na diplomacia

Entre Irã, Síria e Israel, os EUA conseguirão continuar empurrando rochas morro acima?

Por DAVID , ROTHKOPF e FOREIGN POLICY
Atualização:

Por seu caráter mítico, não é verdade que Sísifo foi o primeiro negociador do Oriente Médio. Mas, certamente, o rei que teve de passar a eternidade empurrando uma grande pedra morro acima, para vê-la rolar para baixo sempre que se aproximava do topo, encontraria solidariedade de diplomatas que já se engajaram nos exercícios de futilidade da diplomacia da região. É com isso em mente que observamos as histórias positivas que surgem do Oriente Médio, com um pouco de sobressalto para se somar as necessárias parcelas de esperança. O ruído vindo de Genebra é animador. O diálogo com os iranianos sobre seu programa nuclear tem tido boa repercussão. O progresso na remoção de armas químicas da Síria foi excelente, surpreendendo os mais experientes. As negociações de paz entre israelenses e palestinos, costuradas por John Kerry, foram chamadas por um líder regional de "as mais promissoras" que tinha visto em sua vida profissional. Digam o que disserem sobre os retrocessos que têm marcado a política americana no Oriente Médio, há alguns sucessos no horizonte que deixariam atônitos os cínicos. Dito isso, a vitória política da equipe de Obama no recente embate orçamentário traz uma importante mensagem com implicações internacionais: cuidado com o que desejam.Como no caso das batalhas orçamentárias americanas, o que é definido como sucesso em cada caso - e mesmo progresso substancial - resultará em desafios que poderão ser mais duros de lidar do que o problema que estava sendo tratado inicialmente. Aliás, no caso de Síria, Irã e do diálogo israelense-palestino, o presidente e seu secretário de Estado poderão terminar se sentindo mais como Sísifo do que como qualquer outro dos grande pacificadores. Porque, como Sísifo soube, quando alguém se aproxima da meta, tem de ser mais cuidadoso e, quando se mete em um caminho, precisa estar pronto para recomeçá-lo do zero. No caso da Síria, livrar-se das armas químicas é um grande passo. Aliás, livrar-se das armas químicas é um avanço para qualquer governo. Paradoxalmente, apesar de essa iniciativa ter ajudado também Damasco a parecer mais razoável, cada dia que passa é um dia a mais para oposição islâmica se fortalecer. O reforço da oposição síria se tornará um problema maior quando as negociações para uma solução política se acelerarem. Há, provavelmente, um acerto a ser feito para um acordo de partilha de poder de algum tipo entre os representantes do Exército Sírio Livre, os alauitas e outros aliados atuais de Assad que são mais próximos dos russos e iranianos e formam um anteparo para o norte e o oeste, impedido a movimentação de insurgentes sunitas. Os russos, não custa lembrar, veem isso como um problema local e se preocupam com as ambições dos islamistas por um califado que se estenderia até a Chechênia ou o Daguestão. Eles sinalizaram, como os iranianos, que poderiam derrubar Assad desde que o regime que o suceder proteja seus interesses. No entanto, é difícil perceber por que os extremistas que se beneficiam com a desordem no país teriam um grande incentivo para firmar um acordo - em especial se estiverem ficando mais fortes a cada dia. Além disso, o apetite dos EUA e do Ocidente para jogar seu peso em outra coisa que não seja a mesa de negociações tem se mostrado nulo. Isso cria um problema, porque um acordo de paz, para ser alcançado, requererá anos de financiamento para reconstrução, reassentamento de refugiados e, provavelmente, forças de paz. Mesmo com a eliminação das armas químicas, pode ser que a Síria continue o país mais perigoso numa região perigosa, deteriorando-se e infectando seus vizinhos com uma corrente contínua de refugiados, terroristas e outros transmissores de turbulência. Um acordo com o Irã sobre armas nucleares, apesar das conversas calorosas dos últimos dias, ainda está distante e tem problemas parecidos. Se os iranianos mantiverem ambições de construir armas nucleares ou de adquirir a capacidade para construí-las, então, qualquer coisa que ganhe tempo é do seu interesse - sejam negociações prolongadas, breves ou um período de aparente paralisia e de recuo. Negociações arrastadas darão a Teerã tempo para avançar em pesquisa e desenvolvimento, porque o país só consideraria "aceitável" um acordo que lhe proporcionasse um afrouxamento das sanções, o que acarretaria uma melhora da situação econômica. Isso poderia ser um atenuante para assegurar o adiamento de suas ambições nucleares, mas, à medida que sua economia se recupere, os iranianos também ganharão a capacidade de suportar sanções futuras, caso recomecem e financiem novas pesquisas nucleares. Para os que não confiam nas intenções de Teerã, esses problemas são apenas a ponta do iceberg. Um Irã sem programa atômico (e, portanto, sem sanções) estaria numa posição mais forte para continuar patrocinando o mal, semeado por sua face terrorista, o Hezbollah, e empreendimentos afins no Oriente Médio, como o Hamas. Os iranianos também seriam vistos com maior desconfiança. Sua influência crescente no Iraque, na Síria, no Líbano, em Gaza e no Afeganistão são razões para que o país seja visto como uma ameaça regional - tenha o Irã ou não um programa nuclear. Apesar de um acordo israelense-palestino ser a jogada de maior alcance das três iniciativas, mesmo que o pacto saia, ele também produziria complicações sérias. Primeiro, o acordo requer uma coesão entre os palestinos. Depois, requer que outros atores não tentem sabotar o processo. Por último, num ponto correlato e mais importante, um sucesso nessa frente eliminaria com rapidez um dos mitos mais duradouros na região: o de que resolver a questão palestina resolveria muitos outros males, incluindo a animosidade com Israel. Além disso, se o acordo iraniano e o acordo israelense-palestino ocorrerem, isso somente acelerará o desligamento dos EUA e de potências ocidentais da região. Aliás, os Estados do Golfo e os israelenses, observando o que está havendo entre EUA e Irã, tentam saber como ficaria o Oriente Médio sem um papel ativo dos EUA. A China está ouvindo (e gostando). Não há nenhum cenário para a região avançar no qual Pequim não jogue um papel maior, dada sua necessidade de petróleo. A mudança do equilíbrio de poder internacional nessa parte do mundo é uma ameaça grave para os interesses americanos. Em Washington, onde é um visionário quem vê além dos noticiários, esse tipo de análise não será ouvida. Em parte, porque são iniciativas que deveriam ser empreendidas e, francamente, Obama merece um grande crédito por levar cada uma ao ponto em que estão. Mas, se adiar a catástrofe econômica por três meses é considerado uma grande vitória, não surpreende que muitas preocupações aqui levantadas não sejam tratadas até que entrem na única categoria de questão a que a Casa Branca se dedica: a crise de momento. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK É ANALISTA DO CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE

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