Situação de escravidão atinge mais de 35 milhões de pessoas no mundo, diz organização

Cinco países – Índia, China, Paquistão, Uzbequistão e Rússia – concentram 61% dos escravizados, diz Walk Free Foundation

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Por Adriana Carranca e LONDRES
Atualização:
Escravidão atinge países da Ásia, Leste Europeu e até o Brasil 

Pelo menos 35,8 milhões de pessoas vivem em situação de escravidão no mundo, de acordo com o Index de Escravidão Global, da organização Walk Free Foundation, divulgado ontem em Londres. Cinco países – Índia, China, Paquistão, Usbequistão e Rússia – concentram 61% dos escravizados. Somente 10% deles são traficados para o exterior; a maioria é mantida em cativeiro dentro do próprio país, principalmente para trabalho forçado e 25% do total de vítimas para exploração sexual.

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As mulheres estão mais expostas a abusos. “Praticamente todas as mulheres mantidas como escravas reportam terem sido vítimas de abusos sexuais, mesmo que traficadas para outro propósito”, diz o pesquisador Kevin Bales, responsável pelo estudo.

O Brasil aparece entre os 30 países com menor índice de escravidão por habitantes, mas está em 32.º lugar no ranking de 167 países em números absolutos, com mais de 150 mil pessoas vivendo em condição de escravos, atrás da África do Sul e da maioria dos vizinhos da América Latina, como Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Venezuela.

O relatório menciona iniciativas do Brasil para o combate à escravidão e ao tráfico de pessoas, como o Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo e a “lista suja” do governo, que traz a identificação de empresas flagradas usando trabalho escravo diretamente ou em sua cadeira de fornecedores e bloqueia o acesso delas a crédito, entre outros tipos de sanções. Também cita dois novos decretos à Constituição: o primeiro, aprovado em maio, que determina o confisco de terras de proprietários flagrados explorando trabalhadores ilegalmente, e o segundo dando direitos trabalhistas a empregadas domésticas. Mas faz uma ressalva: “centenas de milhares de brasileiros são sujeitos ao trabalho forçado e exploração sexual”.

Os pesquisadores ligam a escravidão moderna com o fim da Guerra Fria, quando as fronteiras foram abertas, e a padronização do sistema financeiro global nos anos 80, o que permitiu a transferência de capital entre países. “De repente, isso permitiu movimentar o capital de um lado a outro mais rápido do que as pessoas podiam se movimentar. Fábricas começaram a ser transferidas para países onde a mão de obra era mais barata e onde as leis são mais frágeis ou inexistentes”, diz Bales. “Criminosos passaram a movimentar com mais facilidade não só dinheiro e drogas, mas pessoas para atender a essa demanda.”

Segundo Bales, a escravidão nunca foi extinta. Mais do que isso, houve um colapso do preço de escravos no mundo, se comparado com o tempo quando a escravidão era legalizada. “Um escravo naquela época, se comprado hoje, custaria em moeda atual algo entre US$ 40 e 50 mil. Era um produto caro, muitas vezes usados para investimento. Após os anos 60, com a explosão da população, você inundou o mercado com a oferta desse ‘produto’. O número de pessoas que se tornou vulnerável à escravidão explodiu e o valor para escravizar uma pessoa caiu para US$ 90, em média. É o que custa hoje para ter controle de uma pessoa. Esse custo normalmente envolve o transporte e os custos com moradia e comida para mantê-lo vivo.”

A pobreza extrema leva milhões de pessoas em todo o mundo a trabalhar apenas em troca de comida e moradia, com um agravante: “O desespero, a fome aumentam a oferta desse tipo de mão de obra. São pessoas que não valem nada, do ponto de vista do traficante, porque é mais barato simplesmente comprar outra pessoa do que “recuperar” aquela (em caso de doença, por exemplo), então as condições de vida dadas a essas pessoas é terrível e se eles não suportam trabalho são simplesmente trocados.”

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A explosão da população, a pobreza extrema e a vulnerabilidade (guerra civil ou mudanças climáticas que levam as pessoas a migrar, deixando tudo para trás, para outras regiões onde não terão direitos nem empregos, caso dos imigrantes ilegais e refugiados) são combustíveis para o tráfico de pessoas e a escravidão. “A escravidão é uma doença que se alastra como uma epidemia”, diz Bales.

Uma pessoa é considerada escrava quando está em posse de alguém ou um grupo que tem o controle sobre sua movimentação; ela é tratada como propriedade e privada de liberdade, por meio de violência e coerção, com o objetivo de explorá-la. O conceito, usado para o estudo e para a elaboração de leis em muitos países, no entanto, desconsidera outras formas precárias ou ilegais de trabalho, como pelo menos 258 mil crianças brasileiras, entre 10 e 17 anos, que fazem o serviço doméstico em casas de famílias, sem direito trabalhista algum.

* A repórter viajou a convite da Fundação Thomson Reuters

 

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