Só Arábia Saudita pode "desautorizar" Bin Laden

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

O Reitor da Mesquita de Paris, Dalil Boubakeir, principal dignitário muçulmano na França, declarou hoje à Agência Estado que, diante da inexistência de um magistério capaz de reger a prática do Islam, os chefes religiosos da Arábia Saudita lhe parecem os mais indicados para desautorizar Osama bin Laden a decretar a guerra santa (jihad) contra o Ocidente e a invocar o nome do profeta Maomé em proclamações incendiárias. "É na Arabia Saudita que se encontram a Meca, os lugares santos do Islam sunita (congregando 90 por cento dos muçulmanos) a mais rigorosa fidelidade aos ritos canônicos - e isso confere aos seus dignitários a aura e a autoridade necessárias para uma declaração formal caracterizando Bin Laden como um chefe terrorista que trai o Islam e conspurca os ensinamentos do Alcorão", acrescentou. Idêntica é a opinião de um dos mais populares chefes religiosos do Sul da França, o mufti Soheib Bencheikh, que se mostra categórico no repúdio às teses de que o Islam traz em sua essência o "vírus" da violência. Mesmo sabendo da necessidade urgente dessa eventual declaração suscetível de desencorajar as manifestações de apoio ao extremismo islâmico, em particular nos países árabes e o aliciamento de novos contingentes de terroristas, Boubakier e Bencheikh têm dúvidas sobre se tal iniciativa seria encampada pela ampla, dispersa e desarticulada comunidade de chefes religiosos do mundo muçulmano. "Um desmentido forte às pretensões ecumênico-guerreiras de Bin Laden teria certamente um efeito positivo na população muçulmana, apesar de seu caráter informal, visto não termos mais a exemplo do catolicismo, uma autoridade central como o Vaticano", afirmaram. O Reitor da Mesquita de Paris ajuizou e esclareceu: "Com a abolição, em 1922, na Turquia do Califado, espécie de Vaticano do Islã sunita, esta vertente de nossa religião (a outra é a xiita, professada em particular no Irã), ficamos sem um magistério, que tratasse das questões do culto, das reformas destinadas a recontextualizar a leitura do Alcorão e de outras matérias relativas à imbricação do Estado, da política e da religião. Agora, quando a vida internacional atinge esse nível de tensão, com guerra às nossas portas por causa de um terrorismo islâmico insano, verificamos o quanto nos faz falta uma tal instância decisória reconhecida oficialmente pelo mundo muçulmano. É precisamente dessa fragmentação da autoridade sacral numa população muçulmana contando mais de um bilhão e duzentos milhões de pessoas de que se vale Bin Laden para falar na condição de chefe religioso, criar uma dualidade de poder com Mohamad Omar, o chefe espiritual dos afegãos, lançar fatwas (sentenças) etc?. Sem recusarem a hipótese de os chefes religiosos sauditas, em nome da paz, produzirem o documento condenando o chefe terrorista islâmicos, os islamólogos franceses Jacques Rollet e Olivier Roy consideram, entretanto, tal iniciativa inacreditável: "Ela comportaria brutal e dolorosa autocrítica da Meca em face do fundamentalismo engendrado em seu próprio seio, exportado depois para o mundo muçulmano e que explica em larga medida o fenômeno Bin Laden". No entender dos estudiosos, todas as providências de caráter religiosos que possam reforçar a ação política devem ser tentadas, a fim de neutralizar a estratégia que Bin Laden se deu agora, para conquistar mais especificamente o mundo árabe-muçulmano. Como Rollet explicou, a questão palestina nunca figurou entre as grandes prioridades na lista de reivindicações de Bin Laden sobretudo no seu famoso fatwa de 1998, no qual começava por exigir a evacuação das forças militares estrangeiras do Golfo e especialmente da Arábia Saudita. "O caso do Estado palestino vinha lá atrás, em consonância com o desinteresse que ele sempre demonstrou pelas tribulações de Arafat". Agora, na fita divulgada pela televisão Al Jazira, após as primeiras operações militares americanas e britânicas no Afeganistão, Bin Laden faz do conflito israel-palestino o principal argumento de suas diatribes e apelo à guerra santa. "É óbvio", comentou Rollet, " Bin Laden deseja por ai ampliar sua base de apoio no mundo árabe-muçulmano e recrutar novas levas de extremistas fanáticos. E ressaltou: "Daí a imperiosa necessidade de ações políticas e religiosas, como a eventual e problemática declaração canônica de Riad dessacralizando e desmitificando o chefe terrorista". Para o especialista francês, sem isso Bin Laden continuará "dentro da lógica clássica do decisionismo, impondo sua autoridade na falta de uma autoridade até se apresentar na TV como o novo Califa ungido pelo Profeta, pois, em seus discursos, já não mais reverencia Mohamad Omar, seu protetor no Afeganistão e antigo chefe espiritual". Leia o especial

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.