''Só eleição não garante democracia''

Paulo Sérgio Pinheiro, relator para a Venezuela na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA

PUBLICIDADE

Por João Paulo Charleaux
Atualização:

O brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro deveria ser os olhos e ouvidos da comunidade internacional para todos os venezuelanos que buscam proteção contra os excessos do governo chavista. Afinal, esse é o papel desempenhado por todos os relatores da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), criado justamente para monitorar os excessos cometidos por países-membros. Mas, desde que assumiu o cargo, em 2003, Pinheiro está proibido de desembarcar na Venezuela. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por e-mail ao Estado.Há respeito pelos direitos humanos na Venezuela?Como nós demonstramos em nossos relatórios sobre direitos humanos, há importantes progressos em termos da diminuição da pobreza, da desigualdade e da promoção dos direitos sociais, mas há, ao mesmo tempo, violações preocupantes de direitos civis e políticos, além de restrições ao exercício da liberdade de expressão. Basta dizer que há seis anos tento visitar a Venezuela como membro da CIDH e relator para os direitos da criança da OEA e nunca consegui. Não há, hoje, nenhum país entre os 35 membros da OEA que proceda dessa maneira e desrespeite sistematicamente as decisões da comissão e da corte interamericana de direitos humanos. Repito: nenhum outro país tem um comportamento comparável ao da Venezuela.O que significa o fato de Chávez ter se submetido a quase 15 eleições, plebiscitos e referendos no período em que esteve no poder?Não há a menor dúvida de que o presidente Chávez tem sido sufragado em eleições limpas, atestadas até mesmo por observadores internacionais. O problema não são propriamente as eleições, mas o que ocorre antes delas, como as restrições para o registro de candidatos da oposição, o acesso aos meios de comunicação, a campanha sistemática contra a imprensa crítica ao governo e o uso sem limites da máquina do Estado. Problemas também ocorrem depois das eleições, quando o governo tenta atacar a competência dos dirigentes de oposição eleitos, aparentemente constituindo estruturas paralelas de governo que não são eleitas, mas pertencem aos movimentos governistas ou são diretamente ligadas ao presidente Chávez.A relação de Chávez com os meios de comunicação também é um sinal de debilidade da democracia?A relação dele com as rádios, televisões e jornais é absolutamente patética. O governo considera toda crítica como sendo um crime de lesa-majestade contra o governo e o presidente. Há um uso absurdo das cadeias nacionais de televisão e um programa, o Alô, Presidente, que é uma espécie de aulinha escolar na qual Chávez passa pitos ao vivo em ministros e autoridades de governo, além de lançar xingamentos e ofensas públicas contra figuras da oposição e ONGs durante mais de seis horas, uma vez por semana.Quais são os espaços que restam para que a oposição se exprima?Além do sistema político, há problemas sérios nas relações do governo com a sociedade civil, mesmo fora do período eleitoral. Nós detectamos a existência de uma permanente perseguição do governo contra organismos não-governamentais de direitos humanos, que estão permanentemente sujeitos a denúncias injuriosas, ameaças por autoridades do governo - algumas vezes feitas pelo próprio presidente - e a processos criminais que, persistentemente, acusam os opositores de estarem a serviço de uma conspiração internacional e a soldo dos Estados Unidos. Agora mesmo, neste exato momento, o presidente Chávez acha que a Venezuela está sendo alvo de uma conspiração da mídia internacional.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.