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Sob hegemonia do MPLA, Angola vota após 16 anos

Colhendo os frutos do boom econômico pós-guerra civil, partido governista deve vencer eleições legislativas

Por Mariana Della Barba
Atualização:

Pela primeira vez em 16 anos, os angolanos vão às urnas para eleger o novo Parlamento. Na votação, que começa hoje e termina amanhã, os 8 milhões de eleitores - metade da população do país - vão escolher, entre 5 mil candidatos de 14 partidos, os ocupantes das 220 cadeiras no Parlamento. A expectativa é grande não apenas por causa da lacuna eleitoral. Mas é uma chance de o país enterrar as lembranças da guerra civil (1975-2002) e tomar o rumo da democracia. Uma votação limpa também dará a Angola a oportunidade de ampliar seu poderio regional e firmar o país como uma das economias que mais crescem no mundo. Angola, que viu seu Produto Interno Bruto (PIB) subir 21% em 2007, tornou-se este ano o maior exportador de petróleo da África. Mas essa bonança contribuiu pouco para reduzir a miséria no país - que atinge 70% da população. Mesmo assim, o governista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) não deve perder espaço para a oposição, liderada pelo ex-grupo guerrilheiro União Nacional para Independência Total de Angola (Unita). No poder desde a independência, em 1975, o partido do governo vem usando todos os meios para garantir sua hegemonia. CAMPANHA DESIGUAL "O MPLA mobilizou o aparelho estatal e espalhou sua imagem de força com total descaramento", disse ao Estado Nelson Pestana, professor de economia e direito da Universidade Católica de Angola. "A comunicação estatal foi transformada em cabo eleitoral de um jeito nada dissimulado." Para Indira Campos, pesquisadora do instituto britânico Chatham House, a vantagem do MPLA prejudica o processo. "As atividades do partido e do Estado se misturam. Há governadores que também são secretários do MPLA." Além da campanha desigual, um clima de intimidação velada corrói a eleição - e é justamente a imagem de votação limpa que poderia alavancar Angola como exemplo regional, diante do caos pós-eleitoral no Quênia e no Zimbábue. "O governo quer mostrar que aqui não é o país do (ditador zimbabuano Robert) Mugabe. Mas há outro valor que se sobrepõe à ambição de ser líder regional: manter-se no poder", diz Pestana. Os comícios lotados dão a medida do apoio ao MPLA. Parte disso é explicada pelo clima pacífico que predomina desde o fim da guerra. O MPLA usa a estabilidade como pressão ideológica para convencer eleitores de que a vitória da oposição poderia trazer a guerra de volta. O alvo dessa estratégia são os jovens. "A juventude insatisfeita vem sendo combatida. Muitos questionam: e se houver mudança e piorar?", diz Pestana. "Conformados, contestam até o motivo de eleições se já há paz." Para Indira, a única possibilidade de haver surpresas no resultado está no voto dos jovens pobres. "Especialmente dos que vivem em regiões urbanas periféricas, onde o descontentamento é claro e a oposição ganhou espaço ao ressaltar problemas como o desemprego, a miséria e a educação falha." Para a pesquisadora, a mensagem pregada pelo líder da Unita, Isaías Samakuva - explorando as fragilidades do governo -, tem apelo, mas, como o partido nunca foi testado no poder, ele acabou prejudicado. MAIORIA ABSOLUTA Com poucos riscos de derrota, o MPLA pode ampliar ainda mais sua supremacia se mantiver as atuais 129 cadeiras de que dispõe e ganhar outras 15, atingindo a maioria absoluta de dois terços do Parlamento. "Se isso se confirmar, podemos esperar o desaparecimento de partidos da oposição", diz Indira, já que eles se mantêm com recursos públicos (quanto menos assentos, menor a verba recebida e maior a dificuldade de sobrevivência de um partido). Para a pesquisadora, mesmo com falhas, a eleição dá oportunidade aos partidos de participar e, por isso, é um passo crucial na estabilização política de Angola - além de servir como prelúdio das eleições presidenciais de 2009, quando o presidente José Eduardo dos Santos completa 30 anos no poder e coloca o cargo em jogo. Pestana adverte, porém, que o resultado poderá determinar se haverá continuidade do processo eleitoral. "Se o MPLA obtiver os dois terços, mudará a Constituição e transformará suas arbitrariedades em lei", diz. "Caso não consiga a maioria absoluta, o partido governista pode usar sua bancada majoritária para cancelar as eleições do ano que vem." Se esse cenário se confirmar, a votação de hoje e amanhã ficará marcada apenas como um sopro de democracia desperdiçado por Angola.

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