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Sob o chavismo, produção de carne na Venezuela cai à metade e se aproxima do colapso

Recessão, escassez, violência e expropriações fazem número de cabeças de gado no país cair 28% em 20 anos e atender apenas 40% da população

Atualização:

CARACAS -O couro apodrecendo foi o que restou das três vacas esquartejadas. A cena é comum na região dos Llanos, tradicional área pecuarista da Venezuela, onde roubos de animais, invasões, expropriações e acosso estatal afugentam os produtores de gado. Com esse cenário, a produção de carne bovina atende a pelo menos 40% do consumo interno. Antes de o chavismo chegar ao poder, segundo a Federação Nacional de Pecuaristas (Fedenaga), esse número era de 97%. 

Ao ver as carcaças na beira da estrada, a caminho de sua fazenda onde produz leite em San Silvestre, no Estado de Barinas, José Labrador faz um desabafo. “É como se nos dissessem: Sim, estamos matando o gado. E daí?”, diz ele sobre a impunidade dos crimes na região, terra natal do presidente Hugo Chávez, morto em 2013. 

Carcaça de boi em estrada em Barinas, na vVenezuela: fazendas são alvos de assaltos Foto: Federico PARRA / AFP

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Em um ano, Labrador teve 74 cabeças de gado roubadas na fazenda, onde cria animais das raças Brahman e Carora, típicas da Venezuela, além de búfalos.  Um dos motivos para o roubo do gado é o crescente mercado negro de carne bovina, que surgiu com a escassez de alimento no país desde 2013. Símbolo das planícies ocidentais venezuelanas, os grandes rebanhos também têm diminuído. Em 1998, havia 14 milhões de cabeças de gado num país de 20 milhões de habitantes. Hoje são 10 milhões para 30 milhões de pessoas. 

A escassez elevou o preço da carne. Em Caracas, o salário mínimo compra apenas dois quilos de carne bovina. O roubo e a matança de animais não discrimina o gado leiteiro do gado de corte ou os reprodutores. “Mataram um touro com uma carga genética incrível”, comentou Labrador. 

Saques e invasões preocupam fazendeiros

Há também o problema das invasões. Em 2016, a fazenda São Silvestre foi invadida e saqueada por homens armados, conta o fazendeiro. “Destruíram a casa e desmontaram peças de nove tratores e três colheitadeiras (para revendê-las)”, disse. “Cansamos de fazer denúncias e nem a polícia nem a guarda nacional agiram.”

Os terrenos ocupados pelos invasores foram expropriados pelo Instituto Nacional de Terras. Desde 1999, o governo chavista já expropriou cinco milhões de terras com capacidade agropecuária, segundo a Fedenaga. Além disso, o tabelamento do preço de alimentos abaixo dos custos de produção tem provocado a falência de diversos produtores. 

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“É um amplo retrocesso. Quem continua no campo trabalha com unhas e dentes”, disse o presidente da Fedenaga, Armando Chacín, que tem sido ameaçado de prisão pelo presidente Nicolás Maduro.

Fazendeiro extrai leite em fazenda em Barinas: setor está em crise Foto: Federico PARRA / AFP

Custos altos e faltas de insumo dificultam produção 

O produtor recebe no atacado o equivaente a 50 centavos de dólar pelo quilo da carne. Todo processo de criação do animal, da fecundação ao abate e transporte, é estimado em US$ 250. Um animal que rende 100 quilos de carne, um tamanho médio, segundo os pecuaristas, cobriria apenas um quinto do custo de produção. 

O processo de criação de gado também enfrenta problemas. Faltam sementes e fertilizantes para o pasto, além de vacinas e remédios para os animais. “Não há remédio para pessoas, imagine para os animais”, comentou Labrador.  Na fazenda, os criadores recorrem à medicina natural para evitar infecções e muitas vezes os animais são tratados com uma mistura de azeite e alho. 

O consumo de carne na Venezuela caiu de 20 quilos por ano, em 1999, para 7 quilos hoje em dia. Ainda assim, a oferta não cobre a diminuta demanda. 

Para a Fedenaga, as medidas do governo, em vez de amenizar a crise no setor, a agravam. Em novembro, o governo expropriou ao menos 20 abatedouros acusando seus donos de especulação e baixou por decreto o preço da carne, em meio a uma hiperinflação que deve chegar este ano a 1,3 milhão por cento. Com isso, um abatedouro que processava 3 mil animais por mês há dez anos hoje sacrifica apenas 200. /AFP

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