Solução de três Estados seria fim da AP, diz analista

Para pesquisador palestino e ex-assessor do presidente da Autoridade Palestina, nenhum líder palestino pode governar a Cisjordânia sem a Faixa de Gaza

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Por redacao
Atualização:

O palestino Ghaith al-Omari é pesquisador da New America Foundation, grupo de estudos de Washington e ex-assessor de política externa no presidente Mahmoud Abbas. Em entrevista ao Estado, ele comenta as conseqüências da tomada da Faixa de Gaza pelo grupo islâmico Hamas: O que vai acontecer após a conquista de Gaza pelo Hamas? Hoje nós temos dois governos palestinos. Um do Hamas, em Gaza, outro do Fatah, na Cisjordânia. Em um curto prazo, a gente pode esperar uma maior pressão de Israel a Gaza. Agora, os israelenses pressionarão o Hamas sem se preocupar em enfraquecer o Fatah. Para o impasse, existem duas saídas. Hamas e Fatah entram em acordo ou é o fim da Autoridade Palestina (AP) enquanto instituição. O sr. acredita em uma solução de três Estados? Não. Nenhum líder palestino, nem (o presidente Mahmoud) Abbas nem Salam Fayyad (nomeado primeiro-ministro), pode se dar ao luxo de governar a Cisjordânia sem Gaza. Se Abbas optar pela separação, seria seu fim político. Se o Hamas se sentir encurralado em Gaza, vai encorajar ataques contra Israel. Portanto, o destino de Gaza e Cisjordânia estão ligados, apesar de os territórios estarem separados no momento. A separação de Gaza e Cisjordânia enfraquece o movimento palestino? Não só enfraqueceria o movimento palestino como fortaleceria as divisões internas. A única solução para o caso é Hamas e Fatah entrarem em acordo e voltarem ao sistema de divisão de poder. Gaza pode viver sem a Cisjordânia? Não. Nem a Cisjordânia pode viver sem Gaza. Os dois, separados, não são viáveis política e economicamente. Quais as chances de um Estado islâmico em Gaza dar certo? Nenhuma. Egito, Israel e Jordânia jamais permitirão isso. Um estado islâmico em Gaza não tem a menor chance de sobrevivência. Já é difícil encontrar uma solução de dois estados (Israel e Palestina). Falar em solução de três estados (Israel, Gaza e Cisjordânia) é não dar solução nenhuma para o problema. Como o sr. acha que Abbas pode recuperar a autoridade em Gaza? Ninguém pode tirar o Hamas de lá. Mas também não acho que o Hamas perceba a besteira que fez. Com o tempo, eles verão que governar Gaza sozinhos não será fácil. Em breve eles serão obrigados a negociar. Quando isso acontecer, não podemos tratá-los só como um grupo militar porque eles também são um partido político, com uma ampla base de eleitores. Eles não desaparecerão do dia para a noite. O sr. acredita na intervenção de uma força de paz? Impossível. Ela funcionaria na fronteira de Gaza, mas não dentro do território. Não há nenhum país no mundo que queira mandar soldados para morrer em Gaza. Seria um fator desestabilizador e aumentaria a violência. Ficou mais fácil isolar o Hamas? É possível, mas depende do que o Egito vai querer. Até agora todo o apoio dado ao Hamas em Gaza, em armas e homens, passou pela fronteira com o Egito. Se o Egito cooperar, será mais fácil isolar o Hamas. O sr. acredita que Israel possa fechar as fronteiras para estrangular o Hamas? Não. Isso criaria um desastre humanitário. Em algum momento eles teriam de liberar a entrada de ajuda. Existe em Gaza espaço para algum movimento jihadista inspirado na Al-Qaeda? Só se o Hamas deixar. No momento, o Hamas tem conseguido evitar qualquer tipo de fundamentalismo. Mas se o grupo for enfraquecido, abrirá espaço para movimentos radicais. Abbas pensa em convocar novas eleições? Não. A declaração do estado de emergência é uma forma de dizer que o que aconteceu em Gaza ficará em Gaza. O estado de emergência é também um jeito de pressionar o Hamas. É uma mensagem avisando que eles não serão recompensados pela bobagem que fizeram em Gaza. A idéia é isolá-los politicamente e ter certeza de que qualquer financiamento externo não chegue até lá. Eleição agora é impossível. Por que? Porque para termos eleições é preciso ter segurança e é necessário que o Hamas concorde com a proposta. Com o clima atual, não vejo como. Abbas ainda tem legitimidade política? Tem. O fato de o Fatah ter sido derrotado militarmente não significa que ele tenha perdido o poder político. Pelo contrário. Pela primeira vez as pessoas estão culpando o Hamas e o Fatah, igualmente, pelo que está acontecendo. Politicamente, essa história não tem vencedores. O Hamas sai enfraquecido então? Totalmente. Eles venceram no campo militar, mas não no político. A imagem do grupo sai muito desgastada entre os palestinos. O que esperar do novo primeiro-ministro Salam Fayyad? A primeira coisa que eu acho que ele fará é limpar o governo. O maior problema da Autoridade Palestina é a corrupção. Ele sabe que a única forma de responder à mensagem do Hamas é combatendo a corrupção. Fayyad é muito bem visto pela comunidade internacional e uma cruzada anticorrupção é o melhor sinal para que a ajuda externa comece a chegar. O sr. acredita que estamos próximos do fim do impasse entre Fatah e Hamas? Precisamos de mais alguns meses para dizer, mas acho que a violência dos últimos dias acabou sendo saudável. O conflito ajudou a esclarecer algumas questões para os palestinos. No fim, foi bom para o Fatah, que achava que era possível derrotar o Hamas militarmente. E vai ser bom para o Hamas, que verá que não pode governar sozinho. Enfim, deixamos para trás muitos conceitos ingênuos e isso pode romper o impasse interno entre os palestinos.

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