Sonho de Bush é pago com vidas

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Por Gilles Lapouge
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Em cinco anos, o Iraque consumiu muitos generais americanos. O almirante William Fallon, comandante-chefe das tropas americanas no Iraque e Afeganistão, pediu demissão com estardalhaço na semana passada. Ele segue o caminho dos bons soldados calcinados na fornalha iraquiana. Mas o Iraque não consumiu apenas o cargo de generais americanos. Ele também matou 4 mil soldados americanos e feriu 29 mil. Ele aniquilou 400 mil iraquianos. Ele desalojou 4,4 milhões de pobres coitados no maior êxodo dos tempos modernos desde a separação, em 1947, da Índia e do Paquistão. Os "sonhos" quando nascem no cérebro devastado de neoconservadores e George W. Bush, custam caro, muito caro. E esses "sonhos" são pagos numa moeda mais preciosa que ouro - a carne humana. Será que essa carnificina monumental ao menos atingiu seus fins? É preciso reconhecer que a guerra de 2003 produziu um resultado: no coração de Bagdá eleva-se uma "zona verde", perfeitamente tranqüila. Ali, nenhum receio. A operação de Bush deu certo. O problema é que para ir dali para o aeroporto é preciso servir-se de uma auto-estrada que os soldados americanos nunca conseguiram resguardar. E então? Será o caso concluir que os 190 mil soldados americanos e os 60 mil soldados ingleses que caíram sobre o Iraque em março de 2003 fracassaram? No início, foi a glória - eles dissiparam num piscar de olhos o Exército espectral de Saddam Hussein. Mas e depois? Eis a profecia de um especialista: "A História julgará nossa guerra no Iraque não pelo caráter brilhante de sua execução, mas pelas medidas tomadas no fim das hostilidades." Esse especialista é Donald Rumsfeld, o ex-secretário da Defesa, neoconservador inspirado e do qual até Bush teve de afastar-se. Tomemos emprestado então o método de Rumsfeld para compreender o veredicto da História. Bush tinha idéias na cabeça quando deu a ordem de atacar. Podemos resumi-las e confrontá-las com a sua realização. A primeira idéia era livrar a região de um tirano atroz, Saddam. Objetivo atingido. Um segundo objetivo era erradicar o arsenal termonuclear em poder de Saddam. Nesse ponto, fracasso completo. Como poderiam destruir essas bombas, se elas jamais existiram? Terceiro objetivo: "Levar a democracia ao Iraque". Assim, foi a América de Franklin e Jefferson que os soldados americanos levaram nas suas sacolas: direitos humanos, equilíbrio e separação de poderes, etc. Chegou a haver eleições, alguns governos, mas a estrutura é tão precária que desmoronará em 24 horas, caso os americanos saiam. Quarto objetivo: extirpar o terrorismo do Oriente Médio. A idéia era que a volta do Iraque ao bom senso e à democracia resultaria num "círculo virtuoso", cujo benefício se estenderia para todos os países da região e até para as nações corroídas pelo terrorismo islâmico. Maravilha! Fim do terror. Papai Noel na Terra! Foi nessa luta contra o terror que Bush recebeu mais censuras, para não dizer mais pauladas. Quando Bush atacou, o Iraque estava nas mãos de um tirano sombrio, mas não era presa da loucura islâmica. A Al-Qaeda nunca tinha conseguido entrar lá - no mundo árabe, o Iraque era um dos raros países laicos de maioria muçulmana. A guerra e, sobretudo, seus efeitos posteriores puseram fim a essa exceção. No norte, onde se estende a parte curda do Iraque, os incidentes se multiplicam. O barril de pólvora explodirá. No sul, as gangues xiitas abatem os sunitas, o que não as impede de liquidarem-se entre si. Essa ladainha de burrice e horror poderia prosseguir. Há coisas mais graves, no entanto. Os "efeitos colaterais" dessa guerra são piores. Os EUA são um país fatigado, desencantado. Hoje, apesar da torrente de dólares despejada sobre o Iraque, as crianças fantasmas de Bagdá aplaudem quando um veículo americano é explodido. Na maioria dos países árabes, o ódio aos americanos tornou-se convulsivo. Na Europa, os EUA deixaram de fascinar. Aí está a tragédia. O país que Bush vai entregar a seu sucessor é um gigante acorrentado por sua própria tolice. O período feliz em que os EUA reinavam, solitários e poderosos, sobre o planeta após a queda do Muro de Berlim, está chegando ao fim. Ainda bem que as eleições presidenciais americanas se aproximam. Todos que admiram os EUA e que pensam que o mundo tem necessidade de sua força e sua sabedoria, aguardarão os resultados com esperança. Mas, e o Iraque? Como se livrar dele? * Gilles Lapouge é correspondente em Paris

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