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Stroessner governou o Paraguai com mão de ferro por 34 anos

Stroessner era um perfeito estrategista político, capaz de combinar ações decisivas com períodos de inércia estratégica

Por Agencia Estado
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Para a maioria dos paraguaios, a segunda metade do século 20 significou um homem: o general Alfredo Stroessner, que morreu nesta quarta-feira em Brasília. Mesmo depois que ele foi derrubado do poder, após 34 anos na Presidência, a sua influência na mentalidade paraguaia é tamanha que o país ainda luta para se libertar do seu legado de autoritarismo, tratamento preferencial a amigos e corrupção. Ele pode reivindicar recordes como o de presidente com o governo mais longo do Paraguai, e, durante muito tempo, o de chefe de Estado que esteve no poder pelo maior período ininterrupto (Fidel Castro agora o ultrapassou). Ele assumiu o posto com um golpe de Estado em 1954 e conseguiu mudar a Constituição em 1967 e em 1977 para poder servir oito mandatos consecutivos. O fato de ele ter ficado tanto tempo no cargo é especialmente surpreendente dada a sua falta de carisma. Longevidade Tanto ele como seus discursos tinham poucos toques populistas. De fato, a tarefa de desvendar os segredos do seu governo é dificultada pela escassez de livros a respeito. Uma imprensa vigorosamente reprimida e sua propensão a restringir o conteúdo de suas raras entrevistas contribuíram para envolver sua vida privada e seus pensamentos em mistério. A chave para a sua longevidade é uma mistura de personalismo, neofacismo e anticomunismo. Seu poder era salvaguardado pela lealdade de seus generais. Mas ao contrário de seus colegas latino-americanos, Stroessner nunca foi um ditador militar no sentido formal. O principal pilar do seu suporte na sociedade civil foi o Partido Colorado, que no final dos anos 1950 e início dos 60, ele transformou em sua máquina pessoal de propaganda eleitoral Os escritórios locais do partido eram organizados para criar uma rede de vigilância que, quando necessário, era impiedosa em esmagar a oposição. Stroessner sempre teve a astúcia de manter a aparência de democracia para consumo externo, especialmente americano. Uma parte do Partido Liberal obteve permissão para funcionar como oposição em 1963 e a fórmula foi repetida a cada cinco anos, com Stroessner repetidamente clamando ter obtido entre 70% e 90% dos votos. Alguns integrantes mais entusiasmados do governo chegaram a declarar a vitória de Stroessner com mais de 100% dos votos, mesmo antes das urnas terem sido fechadas. Os poucos rostos da oposição que participavam eram recompensados por sua lealdade com o sistema. Direitos humanos A política de direitos humanos do presidente Carter forçou Stroessner a libertar vários prisioneiros que cumpriam penas mais longas e a mudar o sistema para detenções curtas. Quando o governo Reagan (que era visto como claramente liberal) tentou parecer mais severo em seu tratamento das "ditaduras" de direita e esquerda para justificar sua campanha contra os sandinistas na Nicarágua, Stroessner suspendeu o estado de cerco mas aprovou leis igualmente cruéis. Estas concessões à opinião internacional nunca ajudaram o Paraguai a escapar do círculo dos governos párias, como o regime do apartheid da África do Sul, Taiwan, e o regime liderado por Pinochet, no Chile. Estes governantes permaneceram os amigos mais próximos de Stroessner. Centenas de arquivos descobertos depois da saída de Stroessner, conhecidos como "arquivos do terror", revelaram o amplo papel do Paraguai na Operação Condor, a operação para repressão de ativistas de esquerda em países do Cone Sul. Facilmente rotulado como um ditador improvável ao estilo dos personagens dos livros de Gabriel García Marquez, Stroessner era, na verdade, um perfeito estrategista político (ele costumava jogar xadrez), capaz de combinar ações decisivas com períodos de inércia estratégica. Suas habilidades políticas foram afiadas nos caóticos anos de intrigas, golpes e contragolpes entre 1947 e 1954, em que geralmente Stroessner ficava do lado vencedor. Mas, em uma ocasião em 1948 ele fez a escolha errada e teve que sofrer a humilhação de fugir para a embaixada brasileira no porta-malas de um carro. Ao contrário do que ditava o bom senso, Stroessner esperou até mais tarde no dia 4 de maio de 1954 para ver qual a direção dos ventos, antes de decidir por apoiar o golpe contra Federico Chavez, que acabou por levá-lo ao poder. Stroessner foi derrubado em fevereiro de 1989 por um grupo de colorados opositores, militares e empresários, com apoio dos Estados Unidos, que buscava uma transição pacífica. Não houve protestos - nem celebrações populares - no Paraguai quando um dos últimos ditadores à moda antiga da América Latina partiu para o exílio discreto e solitário no Brasil. include $_SERVER["DOCUMENT_ROOT"]."/ext/selos/bbc.inc"; ?>

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