Suíça acolhe refugiados em abrigos nucleares

Somente homens solteiros foram enviados aos bunkers, alguns a 5 metros de profundidade

PUBLICIDADE

Por Jamil Chade CORRESPONDENTE e GENEBRA
Atualização:

Eles fugiram de guerras sangrentas, regimes autoritários e algumas das maiores crises humanas atuais. Só não imaginavam que terminariam vivendo sob a terra num dos países mais ricos do mundo, a Suíça. Imigrantes e requerentes de asilo estão sendo colocados em abrigos nucleares e o país alpino alega que, diante do fluxo de estrangeiros, já não tem onde alojá-los.

PUBLICIDADE

No total, são nove abrigos espalhados pelo país que estão sendo usados para abrigar 250 estrangeiros. Por décadas, esses locais que ficam pelo menos cinco metros abaixo da superfície foram construídos como refúgio para a população diante da possibilidade de uma guerra nuclear durante a Guerra Fria.

“São lugares sem janela, iluminados 24 horas por dia. As grandes luzes de néon ficam acesas o tempo inteiro sobre suas cabeças, fazendo que as pessoas ali não consigam dormir e estejam sujeitas a sérios problemas de visão”, disse Michel Claude, representante do movimento Sans Retour (Sem Retorno), que luta por uma solução para o problema.

“Para mim, isso é como enterrar as pessoas vivas”, declarou Fatia, que chegou a Genebra há cinco anos da Etiópia. Por ainda não ter seu status de refugiada, ela prefere não informar o sobrenome. Fatia não esconde que teme ser alojada em um dos bunkers, apesar de as autoridades terem enviado apenas homens solteiros, até agora. “Eu sou solteira e não sei o que vai ocorrer”, disse.

“Para mim, esses abrigos não são lugares para seres humanos”, insistiu. “Sou da África. Estamos em uma democracia e quando me disseram que as pessoas deveriam ir para debaixo da terra, fiquei muito surpresa.”

O caso agora se transformou em um símbolo do mal-estar de governos com um número cada vez maior de refugiados que a Europa vem recebendo. Segundo a ONU, o número de refugiados em 2014 bateu todos os recordes, com 42,5 mil imigrantes a cada dia, somando 60 milhões de pessoas. 

Segundo a ONU, 59,5 milhões de indivíduos foram deslocados de seus países à força como resultado de perseguições, conflitos, violência generalizada ou por terem seus direitos humanos violados. 

Publicidade

De acordo com o chefe da agência da ONU para refugiados, Antonio Guterres, “esse número representa um aumento de 60% quando comparado aos dados de uma década atrás”. Para ele, o aumento é reflexo da situação internacional atual. “A impressão é de que o mundo inteiro está em guerra”, disse.

O crescimento do número de deslocados é em grande parte consequência do conflito na Síria. “Poucas crises foram solucionadas. Em 2014, apenas 126.800 refugiados puderam voltar a seus países, o menor número em 31 anos”, disse a ONU.

Protesto contra o envio de imigrantes para bunkers Foto: JAMIL CHADE/ESTADAO

Se os maiores destinos de refugiados ainda são Turquia e Afeganistão, o fluxo acabou chegando à Suíça, que viu o número de pedidos de asilo aumentar de 10 mil por ano até 2011 para mais de 20 mil em 2014. A opção foi forçar novos grupos de estrangeiros a entrar nos abrigos, decisão criticada por defensores dos direitos humanos. 

O Estado entrou em contato com as autoridades suíças, que não deram respostas sobre os motivos para levar os refugiados para abrigos. 

PUBLICIDADE

Na semana passada, homens solteiros que estavam hospedados no Foyer des Tattes, que acolhe migrantes e refugiados em Genebra, começaram a receber cartas das autoridades informando que deveriam se dirigir imediatamente aos bunkers. Muitos rejeitaram e iniciaram uma campanha. “É essa a Suíça dos direitos humanos? Eles não são ratos”, disse uma das militantes, também sob condição de anonimato.

Outro inconveniente para os imigrantes é o período do Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, em que eles jejuam durante o dia. “Muitos vieram do Norte da África e estão seguindo o Ramadã. Eles precisam dormir durante o dia e se alimentar à noite. Mas isso não é possível nos bunkers”, destaca um dos militantes.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.