Sul-coreano equilibra-se entre interesses

Ban Ki-moon busca recuperar prestígio do cargo, mas esbarra na fragilidade da ONU

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Por Jamil Chade
Atualização:

Um ano depois de assumir a secretaria-geral da ONU, Ban Ki-moon ainda inspira pouco apelo popular. Nas salas de reuniões com líderes mundiais, porém, o sul-coreano faz questão de demonstrar uma posição firme - embora nem sempre convença. Nos últimos dias, cobrou do presidente da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, que mantenha as eleições em novembro mesmo diante dos problemas de segurança. Nos encontros, porém, não recebeu garantias de que a votação seria mantida. Mesmo assim, disse à imprensa que estava "confiante". Embora levado ao cargo pela Casa Branca, Ban sabe que precisa dar uma resposta às necessidades dos países pobres e emergentes. O governo sul-coreano gastou milhões em sua campanha pelo posto, e Ban visitou quase cem países antes de ser escolhido - 24 deles apenas na África. Por isso, insiste no desenvolvimento do continente e numa solução para a crise de alimentos que vem afetando 100 milhões de africanos. Ban modificou no último momento seu discurso em Acra, no domingo, ao ver que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falaria sobre a crise de alimentos. Optou por insinuar apoio ao etanol, evitando culpar os biocombustíveis pela crise atual. Além de driblar os discursos preparados pelos assessores, Ban tem o costume de simplesmente desaparecer com chefes de Estado no meio de recepções para falar individualmente o que pensa, sem expor publicamente os líderes. Sua habilidade em negociar não impediu que enfrentasse alguns percalços. Logo no início do mandato, insinuou apoio ao enforcamento do ditador iraquiano Saddam Hussein - e depois teve de se retratar. Além disso, até hoje é acusado de inundar a ONU de coreanos. Durante alguns meses, os ataques fizeram com que ele se retraísse e evitasse dar declarações. Agora, mais confiante, quer reconstruir sua imagem e faz questão de procurar os jornalistas sempre que pode, recomendando a seus assessores que reservem tempo para entrevistas coletivas. Na Costa do Marfim, por exemplo, deu três declarações à imprensa em apenas um dia sobre o processo de paz em curso no país. Ban também não parece preocupado em esconder suas fragilidades. O secretário-geral da ONU conta que ficou "envergonhado" quando alguns jornais revelaram que seu francês não era bom. "Tive aulas todos os fins de semanas", reclamou. Hoje, é capaz de se fazer entender. Mas os idiomas ocidentais são mesmo um obstáculo para seus assessores, que tentam transformar seu nome em um marca internacional. Outro vexame, segundo ele mesmo, foi sua expressão de susto no Iraque, registrada pelas câmeras de TV, quando uma bomba caiu a alguns metros de onde dava uma entrevista coletiva em Bagdá. "Eu pareci um covarde", admitiu. Mesmo sob uma rotina desgastante, Ban não perde a elegância. Depois de seis dias, mais de 50 encontros e poucas horas de sono, vários integrantes da ONU deixaram-se vencer pelo calor e o cansaço durante uma cerimônia em Abidjan na semana passada. Ban permanecia impecável, autor da proeza de completar a turnê da África como o único da delegação a não manchar a camisa de suor.

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