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Sul da Europa ensaia guinada à esquerda

Espanha pode se tornar o quinto país do Mediterrâneo a adotar governo mais esquerdista depois de França, Itália, Grécia e Portugal

Por Andrei Netto
Atualização:

As eleições que puseram fim ao bipartidarismo na Espanha também ameaçam derrubar um dos últimos governos de direita no sul da Europa. Vencedor das eleições do dia 20, Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP, de direita), está à beira do precipício e precisa convencer partidos de oposição a não vetarem no Parlamento a formação de seu governo, que seria minoritário.

Caso Rajoy fracasse, Pedro Sánchez, do Partido Socialista (PSOE) terá a chance de chegar ao poder, repetindo líderes sociais-democratas, sociais-liberais ou radicais já no poder na França, Itália, Grécia e Portugal. 

Mariano Rajoy Foto: Felice Calabro/AP

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A situação de Rajoy é dramática desde o meio da semana passada, quando o primeiro-ministro encontrou-se com Sánchez, do rival PSOE, em busca de um acordo para seguir governando. O “não” do líder socialista deixou o atual premiê virtualmente sem chances de formar um gabinete, já que ele também ouviu “não” sobre o apoio de um dos dois “partidos emergentes”, o Ciudadanos (centro-direta), que chegou ao Legislativo e foi responsável, junto com o Podemos (esquerda radical), por romper 33 anos de bipartidarismo na Espanha.

O premiê, mesmo tendo sido vencedor das eleições de domingo passado, com 28,7% dos votos, elegeu apenas 123 deputados, distante da maioria de 176 assentos necessários para formar um governo no Parlamento em 13 de janeiro.

O resultado fez com que o PP já se prepare para deixar o poder e renovar seu comando. O sinal foi dado pelo ex-primeiro-ministro José María Aznar, presidente de honra do partido e último conservador a se eleger para a presidência do governo (entre 1996 e 2004) antes de Rajoy. Aznar insinuou que é chegado o momento de convocar um congresso interno do partido, quando o atual primeiro-ministro enfrentará o julgamento de seus correligionários. “O partido precisa recuperar a confiança dos espanhóis com um congresso aberto para que os militantes possam decidir o futuro de nosso projeto”, argumentou o ex-premiê.

Considerado um político duro na queda, em especial depois de resistir às denúncias do Caso Bárcenas – uma espécie de “mensalão” pago por empreiteiras e empresas com contratos públicos a dirigentes do PP –, Rajoy ainda pretende resistir, mesmo que se torne o primeiro chefe de governo espanhol desde 1982 a não ser reeleito. Ele não apenas tenta formar um governo antes de 13 de janeiro, como anunciou a intenção de permanecer à frente do partido mesmo em caso de renúncia do posto de primeiro-ministro. “O congresso do PP será realizado e eu vou me candidatar”, antecipou, referindo-se à assembleia-geral do partido marcada para a primavera europeia.

Mas a tendência na Espanha é de que Pedro Sánchez, líder do PSOE que obteve 22,02% dos votos e elegeu 90 deputados – o pior resultado da história do partido –, receba a autorização para negociar a formação de uma coalizão. Suas chances de chegar ao poder são maiores porque, se fechar um acordo com o radical Pablo Iglesias, do Podemos, poderá obter uma maioria com apoio de partidos nanicos, como a Esquerda Unida e os nacionalistas. 

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Embate ideológico. Se de fato Sánchez chegar ao Palácio de La Moncloa, os países mais influentes da Europa Mediterrânea serão governados pela esquerda. Esse já é o caso da França com François Hollande, da Itália com Matteo Renzi, da Grécia com Alexis Tsipras e de Portugal com António Costa.

O grupo de países mediterrâneos não é uma exceção na Europa. A União Europeia termina este ano com 12 presidentes ou primeiros-ministros de centro-esquerda, que governam 42% da população do bloco. Outros 15 são de centro-direita ou de direita, que representam 58% da população. Ao menos três países – Alemanha, Áustria e Holanda – são governados por coalizões mistas, lideradas pela direita, mas com participação da esquerda. A Espanha pode, assim, equilibrar ainda mais o jogo de forças se Pedro Sánchez chegar ao poder.

O curioso é que entre os partidos de esquerda que governam esses países há pouca afinidade ideológica. Na França, Hollande iniciou um governo social-democrata, mas hoje defende uma linha social-liberal. O mesmo se pode dizer de Renzi, mas não de Alexis Tsipras, que representa a Coalizão Radical de Esquerda (Syriza), adepta de uma linha populista. Já António Costa, embora represente o Partido Socialista (PS), precisa ceder aos radicais de esquerda, já que não tem maioria para governar sozinho.

Para Marc Lazar, professor de Sociologia Política do Instituto de Estudos Políticos (SciencesPo), de Paris, embora estejam mais próximos do poder, os partidos de esquerda ainda estão em crise ideológica na Europa. “Há muitas questões sobre o projeto da esquerda, sobre sua identidade, sobre suas soluções para problemas econômicos e sociais”, afirmou em entrevista à Rádio France Internacional (RFI). Para Lazar, os progressistas “são muito diversos na Europa”. “Os partidos de esquerda reformistas, como Syriza, são na verdade um grande desafio para a social-democracia.”

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