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É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais. Escreve uma vez por semana.

Opinião|Sumiço une setores no México para protestar contra o governo

Presidente Enrique Peña Nieto passa a ser alvo de manifestações após o desaparecimento de 43 jovens há quase 2 meses

Foto do author Lourival Sant'Anna
Atualização:

CIDADE DO MÉXICO - O desaparecimento dos 43 estudantes há dois meses desencadeou uma onda de manifestações no México que tende, se não a desestabilizar o governo do presidente Enrique Peña Nieto, a fragilizá-lo. Pela primeira vez, os protestos unem setores que costumam estar em lados opostos, como grupos de esquerda, trabalhadores urbanos e rurais, sem-teto, sem-terra, profissionais liberais e representantes da classe média e alta branca. "Há indignação partindo da juventude, com forte irradiação nos setores populares organizados e também na classe média", analisa Massimo Modonesi, pesquisador de movimentos sociais latino-americanos e professor de sociologia da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam). "É um movimento de grande amplitude que preocupa o governo." "Apenas a juventude radicalizada não produz grande efeito político, mas, quando se junta aos setores populares organizados e à classe média ilustrada, em algum momento, é capaz de derrubar governos na América Latina", afirma o especialista. Como no Brasil em 2013, a onda de indignação, segundo ele, "pode não seguir o estilo boliviano, mas marca um ponto de inflexão na história política, fragiliza o governo e afeta sua credibilidade". Professores, funcionários públicos, eletricistas e trabalhadores do setor de telefonia aderiram às manifestações contra as reformas estruturais lançadas por Peña Nieto. Elas vinculam os salários e contratação de professores ao seu desempenho, promovem a diminuição no número de servidores públicos e levam adiante as privatizações iniciadas nos anos 90. "A quebra do monopólio da estatal Pemex cria uma sensação difusa no imaginário popular de que o petróleo, fonte de mais de 50% da receita do Estado mexicano, não é mais nosso", explica Carlos Aguirre, do Instituto de Investigações Sociais da Unam. Em um ano, a rejeição ao governo aumentou 9 pontos porcentuais, segundo pesquisa do Pew Research Center, que indicou em agosto que 47% o consideravam ruim ou péssimo. A queda foi atribuída às reformas. Com relação ao crime organizado e aos desaparecimentos, Peña Nieto adotou a política de ignorar o assunto, concentrando-se nas reformas e no crescimento da economia, que o Ministério da Fazenda estimou em 2%, após um fraco 1,1% em 2013. Seu antecessor, Felipe Calderón, depois de declarar guerra às drogas no início de seu governo, em 2007, e de assistir ao recrudescimento da violência, tentou, no final do mandato, a mesma estratégia. Sem que os casos tivessem sido esclarecidos, a cifra oficial de 26 mil desaparecidos caiu para 8 mil - ou seja, dois terços dos desaparecidos "desapareceram". Com a repercussão do caso dos 43 estudantes, Peña Nieto não poderá mais ignorar o assunto. O que alivia a situação do presidente é que todos os problemas podem ser atribuídos, com igual ou maior gravidade, aos tradicionais rivais do seu Partido Revolucionário Institucional (PRI). O Partido da Ação Nacional (PAN), que governou o país entre 2000 e 2012, está à direita do PRI, e impulsionou políticas neoliberais, com exceção do aumento no número de servidores federais. À esquerda do PRI, o governador afastado de Guerrero e o prefeito preso de Iguala, onde os jovens desapareceram, pertenciam ao Partido da Revolução Democrática (PRD), cujo candidato, Andrés Manuel López Obrador, ficou em segundo lugar nas duas últimas eleições presidenciais. O desaparecimento dos jovens levou o PRD a um estado de "dissolução", nas palavras de seu fundador, Cuauhtémoc Cárdenas, que exigiu a renúncia da direção do partido. Não foi atendido, mas há um consenso de que o PRD, que já sofria de "morte cerebral", por ter pedido a identidade ideológica, está agora enterrado, segundo Modonesi, autor de um livro sobre o partido. Restariam como alternativas políticas, eventuais líderes surgidos do movimento de indignação pelo desaparecimento dos 43 jovens ou um novo partido lançado este ano por López Obrador, que contribuiu para a desidratação do PRD, arrastando uma parte da agremiação. Sintomaticamente, sua nova legenda, cujo registro foi oficializado em julho, não tem o nome de "partido", mas de Movimento de Regeneração Nacional e é conhecido pelo acrônimo Morena. A fragmentação dos grupos nos protestos e a sua pauta difusa não sugerem a construção de uma alternativa política sólida, com chances de disputar o poder. Muitos dos manifestantes, pertencentes a coletivos, rejeitam a democracia representativa e realizam assembleias, nas quais exercem um suposto poder paralelo local e autônomo, sem projeção nacional. "Não creio que passe de um amontoamento o que está se fazendo nas marchas, e isso não é unidade", diz Alejandro Cerezo, membro da Campanha Nacional contra os Desaparecimentos Forçados, que reúne mais de 50 ONGs. Cerezo aposta no crescimento do partido de López Obrador, que não reconheceu suas duas derrotas eleitorais, chegando a ocupar por três meses o Paseo de la Reforma, no coração da Cidade do México. "Gostem ou não, o Morena aglutina." O primeiro teste real serão as eleições estaduais e municipais de junho do ano que vem. Não há reeleição presidencial no México e o mandato de Peña Nieto, de seis anos, vai até 2018.

Opinião por Lourival Sant'Anna

É colunista do 'Estadão' e analista de assuntos internacionais

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