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Suprema Corte proíbe julgamento militar de detentos de Guantánamo

Máxima instância do judiciário americano considerou que o julgamento dos presos de guerra dos EUA em cortes militares viola a legislação do país

Por Agencia Estado
Atualização:

A Suprema Corte dos Estados Unidos determinou nesta quinta-feira que o presidente George W. Bush abusou de sua autoridade ao ordenar o julgamento de detentos de Guantánamo em tribunais militares por crimes de guerra. A sentença - um novo revés para a administração e suas políticas antiterror - foi proferida pelo Juiz John Paul Stevens, para quem a utilização de tribunais militares é ilegal sob as leis americanas e das Convenções de Genebra. Em seu voto final, a corte destacou que os julgamentos não foram autorizados pelo Congresso e que a estrutura e procedimentos dos tribunais violam o Código Uniforme da Justiça Militar (CUJM) e as quatro Convenções de Genebra assinadas em 1949. A decisão refere-se especificamente ao caso de Salim Ahmed Hamdan, um iemenita que trabalhou como motorista e segurança particular do líder da rede terrorista Al-Qaeda, Osama bin Laden. Hamdan, de 36 anos, ficou preso por quatro anos na prisão americana em Cuba. Ele é acusado de conspirar contra cidadãos americanos entre 1996 e novembro de 2001. Com a sentença, o status dos cerca de 450 homens detidos em Guantánamo entra em um limbo legal, pois não se sabe exatamente como, onde e quando a administração irá determinar as acusações contra eles. Ela também dá combustível extra para as críticas internacionais contra a administração, incluindo as de vários aliados dos EUA que rejeitam a maneira como o governo americano lida com seus prisioneiros de guerra em Guantánamo e Abu Ghraib. O caso Hamdan Em novembro de 2001, o presidente Bush instituiu a Ordem Militar nº 1, atribuindo a comissões militares a responsabilidade pelo julgamento de estrangeiros suspeitos de terrorismo. A decisão permitiu o julgamento dos acusados por crimes de guerra e a conseqüente condenação dos mesmo à pena morte. Neste contexto, Hamdan se tornou um dos primeiros detentos de Guantánamo a enfrentar uma comissão militar. Assim, em agosto de 2004, ele foi o primeiro suposto colaborador da Al-Qaeda a ir a julgamento nos EUA. Mas, em novembro de 2004, uma corte federal americana determinou que Hamdan não poderia ser julgado pela comissão militar a menos que um tribunal determinasse que ele era um "combatente fora da lei", e não um prisioneiro de guerra protegido pelas Convenções de Genebra de 1949. A decisão foi revertida, no entanto, por uma corte de apelações em julho de 2005, quando os juízes consideraram que as Convenções de Genebra não poderiam ser aplicadas a membros da Al-Qaeda, e que a comissão militar estava autorizada pelo Congresso. Um novo episódio da novela legal veio em novembro de 2005, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos concordou em levar uma apelação de Hamdan a julgamento. Com a sentença proferida nesta quinta-feira, Hamdan poderá ser julgado tanto por um tribunal militar tradicional, que leve em consideração as Convenções de Genebra, quanto por tribunais civis. Em sua defesa, o iemenita argumentou que nenhum ato do Congresso ou lei comum permitem a realização de um julgamento militar por conspiração, pois a infração não é considerada um crime de guerra. O resultado Ao proferir a opinião da maioria, o juiz Stevens escreveu: "Nós concluímos que a comissão militar criada para julgar Hamdan não tem poder para proceder, pois sua estrutura e procedimentos violam o CUJM e as Convenções de Genebra." O resultado da votação (5 votos a 3 pela proibição dos tribunais militares) também contou com o apoio do juiz moderado Anthony M. Kennedy, que se uniu a seus colegas liberais para barrar as pretensões da administração americana. O presidente do tribunal - colocado no cargo em setembro pelo presidente Bush - absteve-se da votação, pois foi a favor do governo quando o caso de Hamdan foi para a corte de apelação. A sentença desta quinta-feira anula a decisão da corte de apelação. A administração Bush já havia demonstrado recentemente que se preparava para um revés em seus planos de julgar os presos de Guantánamo. Em mais de uma oportunidade, o presidente disse a jornalistas que "gostaria de fechar Guantánamo". "Eu também reconheço que algumas pessoas presas lá são pouco perigosas", disse em uma dessas ocasiões. A sentença não faz referências a um possível fechamento de Guantánamo. "O julgamento em tribunais militares levanta grandes preocupações sobre a separação dos poderes", escreveu Kennedy na justificativa de seu voto, referindo-se a separação entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário dos Estados Unidos. "A concentração de poder (nas mãos do Executivo) sujeita as liberdades individuais a ações arbitrárias, algo que o sistema de divisão de poderes da Constituição foi desenhado para evitar", concluiu. A decisão da corte implica em uma retumbante derrota para o governo Bush. "É certamente um ´prego no caixão´ para a idéia de que o presidente pode criar esses julgamentos", disse Barbara Olshansky, a diretora legal do Centro de Direitos Constitucionais, responsável por representar 300 prisioneiros de Guantánamo. Este texto foi atualizado às 16h26.

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