No fim de semana que marcou a retirada das últimas tropas americanas do Iraque - celebrada ontem entre a população, após os soldados dos EUA deixarem o país na direção do Kuwait, no amanhecer -, sinais da crescente tensão sectária iraquiana já se mostravam evidentes. No sábado, o bloco sunita suspendeu sua participação no Parlamento do país, acusando o governo do primeiro-ministro xiita Nuri al-Maliki de concentrar o poder.Orquestrada pelo ex-premiê Iyad Allawi, a manobra do bloco Iraqiya intensifica o empurra-empurra político entre xiitas, sunitas e curdos que compõem o frágil governo de poder compartilhado. O Iraqiya afirmou em um comunicado que está "suspendendo sua participação no Parlamento até o próximo aviso", acusando Maliki de não cumprir promessas de formar um governo de coalizão.A decisão do grupo sunita evidencia as tensões com os xiitas - sempre próximas à superfície política do Iraque - e demonstra a fragilidade do balanço de poder no governo do país.O Iraqya reclama que o primeiro-ministro está demorando para nomear cargos-chave, como o dos ministros da Defesa e da Segurança, que estão vagos há um ano por causa de rixas políticas. Com a base de apoio na minoria sunita, o bloco obteve o maior número de assentos nas eleições de 2010, mas falhou em reunir a maioria necessária para estabelecer um governo. Juntou-se à coalizão de Maliki em dezembro, obteve poderosos cargos, como a presidência e a vice-presidência do Parlamento, e posições ministeriais.Muitos sunitas se sentiram marginalizados pelo último governo e pela ascensão da maioria xiita ao poder após a deposição de Saddam Hussein, com a invasão americana de 2003."Esses políticos vão conduzir o país à revolta e à guerra civil. O Iraque agora é como uma frágil presa entre vizinhos ferozes", disse o comerciante xiita Karim al-Rubaie, de Basra, no sul do país, afirmando que os representantes "não passam de um grupo de ladrões". "Ninguém aqui quer ocupação. Essa retirada marca um novo estágio da história iraquiana", disse.Celebração e violência. Em Mossul, no norte iraquiano, o confeiteiro Muhannad Adnan disse que a venda de bolos foi acima do normal em seu estabelecimento ontem, pois muitos iraquianos comemoravam a saída dos EUA dando festas em suas casas. Durante a manhã, uma bomba escondida embaixo de uma pilha de lixo explodiu em uma região xiita do leste de Bagdá. Duas pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas. A violência no Iraque está muito menor do que em 2006 e 2007, anos mais intensos da guerra, quando insurgentes sunitas e milícias xiitas matavam iraquianos em todo o país, em um conflito sectário que quase se tornou uma guerra civil. Esses grupos armados, porém, ainda existem, assim como as dúvidas sobre a capacidade das forças iraquianas em contê-los sem a presença dos EUA.O último comboio americano deixou o Iraque na direção ao Kuwait em uma operação envolta em segredo, para evitar possíveis ataques. Quando a notícia da saída chegou, a alegria tomou conta dos iraquianos. / REUTERS e AP