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Tênue esperança de paz no Oriente Médio

Por Agencia Estado
Atualização:

Outro plano de paz para o Oriente Médio: o milésimo? Mais um documento destinado a ser enterrado no imenso cemitério onde apodrecem os planos de paz de Clinton, da ONU, de Tenet, de Mitchell, da Europa? Ora, estranhamente, a proposta mais recente, formulada pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita Abdullah Ben Abdel Aziz, não naufragou como tantas outras. Em alguns dias, ela passou a ocupar o primeiro plano no cenário diplomático. Tornou-se um dos atores e um dos instrumentos do drama israelense-palestino. Idéia clara e simples Será que esse plano contém uma "magia", um "truque", um "pó de pirlimpimpim", capaz de transformar guerra em paz, ódio em tolerância? Nada isso: obter a retirada total dos israelenses de todas as terras ocupadas após a guerra dos Seis Dias (1967), em troca de uma normalização total das relações de Israel com todos os países árabes, é uma idéia clara e simples, mas cuja aplicação parece, à primeira vista, fora de alcance. E, no entanto, essa idéia está avançando. Provocou cenas extraordinárias: o aparecimento do Ministro das Relações Exteriores de Israel, Shimon Peres, na TV saudita. O convite do presidente de Israel, Moshe Katsav, aos sauditas para que fossem a Israel, um país que os sauditas não reconhecem. A reação prudente do pouco prudente Ariel Sharon. A bênção (a contra-gosto) de George W. Bush. A Europa em alerta... ?Poder sagrado? Como explicar esse sucesso? Duas pistas. A primeira é que o "pingue-pongue" das matanças causou repugnância em todos os países estrangeiros e em boa parte das opiniões locais. Sharon voltou ao poder para fazer cessar o terror, e o terror se tornou desenfreado. A segunda pista é o local de onde veio a proposta: a Arábia Saudita, o país guardião dos "locais sagrados" e portanto dotado de um poder sagrado sobre todos os povos árabes. Os árabes não podem suspeitar de que Riad, o inimigo mais ferrenho de Israel, esteja agindo contra os árabes palestinos. Aprovação rápida De fato, as capitais árabes deram rapidamente sua aprovação a Riad (Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, etc...) E a aceitação dos árabes é ainda mais imediata pelo fato de o príncipe herdeiro Abdullah ser um dos mais ardorosos defensores do nacionalismo árabe. A intervenção de Riad deve também ser lida sob outro enfoque: as relações da Arábia Saudita com os Estados Unidos, relações duvidosas, "contra a natureza", porque a Arábia Saudita é o país onde reina o islamismo mais selvagem, com sharia, etc... E, no entanto, é um aliado fiel dos Estados Unidos. Amizade paradoxal Conhecemos essa amizade paradoxal: o matrimônio foi celebrado há 60 anos entre Roosevelt e o rei Abdul Aziz, o fundador do reino. Era um toma lá, dá cá: em troca do acesso preferencial ao petróleo, os Estados Unidos garantiam a segurança do reino. Por muito tempo, essa amizade de conveniência funcionou admiravelmente. Riad podia enforcar a torto e a direito e muito mais. Washington não via nada. Maravilhosa surdez. Bem-aventurada cegueira. Guerra do Golfo Mas, tudo isso ficou comprometido com a Guerra do Golfo. Até 1990, não havia nenhum militar americano na Arábia. A Guerra do Golfo mudou isso. Os soldados dos EUA chegaram. Sacrilégio (Osama bin Laden, que é saudita, disse que escolheu o terrorismo absoluto no dia em que os soldados ímpios macularam a terra santa). Os EUA haviam prometido que suas tropas partiriam assim que a guerra contra o Iraque chegasse ao fim. Mas o regime de Bagdá não caiu, e faz dez anos que as bases americanas estão na Arábia Saudita para vigiar o sul do Iraque. Abcesso Esse abscesso tornou-se, depois, mais purulento: os sofrimentos infligidos ao povo iraquiano chocaram todos os muçulmanos (e entre eles os sauditas). O recomeço da intifada e o silêncio de Bush diante das violências de Sharon agravaram o conflito. Além disso, após os atentados de 11 de setembro, os EUA enviaram forças e um general para sua base no sul de Riad, de onde era coordenada a campanha do Afeganistão. A ira dos sauditas atingiu seu auge. A situação chegou a tal ponto que os sauditas deixaram vazar sua intenção de fechar as bases americanas, o que desfiguraria todo o sistema estratégico dos EUA. Mas, do outro lado, temos também críticas feitas por Washington a seu aliado saudita. De olhos bem fechados É inegável que os americanos fecham os olhos aos horrores infligidos às mulheres árabes, bem como à repressão exercida por Riad sobre as religiões não-muçulmanas. Em compensação, o traumatismo dos atentados de 11 de setembro teve um efeito devastador, principalmente quando se descobriu que Bin Laden era cidadão saudita e que a maioria dos camicases de Nova York vinha desse país. A verdade é que a acrobática amizade entre um país democrático (direitos humanos, etc.) e uma monarquia feroz, mas rica em petróleo é estrategicamente essencial. Mas essa amizade está se desgastando e pode ser desfeita. Nos belos tempos da União Soviética, a "grande diferença ideológica" entre os EUA e os sauditas estava camuflada, pois os dois países estavam ligados por sua luta comum contra o comunismo e o ateísmo. Mas, o desaparecimento da URSS deixou agora os dois países - Arábia Saudita e EUA - frente a frente, sem nenhuma tela de proteção. Petróleo Conseqüentemente, é grande o perigo de vermos nos próximos anos essa fissura aumentar até se tornar uma verdadeira ruptura ou mesmo um abismo. Ora, os Estados Unidos não têm a menor vontade de perder as jazidas de petróleo nem uma plataforma estratégica de tal importância e, ao mesmo tempo, não querem cortar um elo de ligação tão vital com as opiniões dos outros países arábes. Isso explica porque Bush acabou por "elogiar" o plano saudita, um elogio, porém, tão confuso que não podemos ainda ter certeza de nada. E de qualquer maneira, há uma grande série de obstáculos a vencer antes que o plano saudita se torne operacional: como Sharon voltaria atrás em sua promessa de não abandonar as colônias, como poderia admitir a evacuação do leste de Jerusalém?... Dificuldades técnicas Mas, não insistamos nas dificuldades técnicas. Por ora, temos essa satisfação, pequena, é verdade, mas inesperada, de constatar que um projeto de paz em vez de ser jogado na lata de lixo parece arrancar todos os protagonistas (israelenses, árabes palestinos, americanos, europeus) do sono profundo no qual estavam mergulhados, enquanto na zona de conflito, entre Gaza e Jerusalém, as crianças dos dois lados se estripam, se degolam, se massacram, se suicidam.

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