Terror no Iraque levanta dúvidas sobre retirada

Explosões matam 66 em 2 dias com tropas dos EUA prestes a deixar todas as cidades iraquianas; Bagdá culpa Al-Qaeda e o partido Baath

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Por Roberto Simon
Atualização:

Após um atentado ter deixado 35 mortos na quarta-feira, o Iraque viveu ontem mais um dia de terror com dois ataques a bomba - um deles já considerado o maior contra tropas americanas desde abril de 2008. Foram, ao todo, 66 mortes em menos de 28 horas. Inesperado, o novo surto de violência ocorre a duas semanas do prazo final para as tropas americanas deixarem todas as cidades iraquianas, incluindo Bagdá. O primeiro ataque foi contra um comando americano que caminhava por um mercado no sul da capital. Com a explosão, 3 militares dos EUA e 12 civis iraquianos morreram. Outras 25 pessoas ficaram feridas, entre elas 5 soldados americanos. Na segunda ação, em Kirkuk, norte do Iraque, sete milicianos sunitas morreram e oito ficaram feridos depois que um carro-bomba foi detonado. As vítimas integravam os Grupos Despertar (milícias sunitas financiadas pelo próprio governo iraquiano) e esperavam em fila diante de uma delegacia para receber o pagamento. A nova onda de atentados espetaculares - tipo de ação que havia perdido força desde 2007 - teria sido motivada por recentes choques entre tropas dos EUA e milícias sunitas que voltaram a apoiar a Al-Qaeda. Em 2006, Washington adotou uma bem-sucedida estratégia de cooptar líderes sunitas locais, antes aliados dos insurgentes. Mas alguns desses "novos aliados" teriam voltado a dar apoio a jihadistas. CRÍTICAS Segundo o primeiro-ministro Nuri al-Maliki, a Al-Qaeda e membros do ex-partido de Saddam Hussein, o Baath, proscrito desde 2003, estão por trás da violência e tentam retomar a guerra sectária. Bagdá disse ter capturado em abril o líder da Al-Qaeda, Abu al-Baghdadi, mas até agora os EUA não confirmaram a prisão. Mais: o Pentágono levanta dúvidas sobre a existência de Baghdadi, que seria uma lenda criada pela insurgência e não uma pessoa real. O cientista político iraquiano Saad Jawad, da London School of Economics, critica a atitude de Maliki diante da violência. "O mais fácil é apontar o dedo para a Al-Qaeda e para os membros do Baath. É isso que o governo faz para se preservar e ganhar legitimidade", disse Jawad por telefone ao Estado. Ele argumenta que o uso da violência no Iraque não obedece a linhas sectárias e é recurso de quase todos que conspiram contra o governo - sunitas e xiitas, árabes e curdos. "Sobretudo, isso indica a fragilidade da situação e a falência da ocupação dos EUA", completa. "O Exército e a polícia são uma espécie de confederação de milícias inimigas. Não se trata de uma força profissional." Além das cisões entre milicianos e da debilidade do Estado, a libertação de milhares de presos, parte do acordo de retirada firmado entre Washington e Bagdá, seria outro motivo para o aumento da violência. Desde janeiro, os EUA soltaram de suas prisões 3.322 iraquianos, de acordo com dados do Pentágono. Até dezembro, mais 11.941 serão libertados. Embora já tenha deixado mais de 1.200 mortos desde janeiro, a nova onda de atentados não atingiu os altos patamares de violência de 2006 e 2007. O número de agressões registradas em 2009 caiu. As mortes, porém, aumentaram, mostrando que as ações têm sido cada vez mais mortíferas. Segundo o Acordo sobre o Status das Forças (Sofa, na sigla em inglês), entre EUA e Iraque, americanos se retirarão das cidades iraquianas em junho. Até 2011, todas as tropas dos EUA terão deixado o território iraquiano. Mas especialistas não chegaram a um consenso sobre a viabilidade dessa retirada. "Não acredito que os recentes ataques possam alterar o calendário de Obama. Ele investiu muito nesse prazo e revoltará seus partidários se decidir alterá-lo", explica James Pinkerton, do New America Foundation. Jawad discorda: "A despeito do falatório, os EUA não sairão agora. Eles não percorreram tantos quilômetros e gastaram tantos trilhões de dólares para deixar o Iraque nessa situação." SAÍDA DAS TROPAS 11/2008 - Governos Maliki e Bush assinam acordo com cronograma de retirada total dos EUA 6/2009 - Tropas americanas devem se retirar de todas as cidades do Iraque, incluindo Bagdá 7/2009 - Referendo nacional iraquiano deve decidir se o calendário acordado com Washington será mantido. Caso contrário, o prazo para retirada total será adiantado para julho de 2010 12/2011 - Prazo final para todas as tropas americanas deixarem o Iraque, segundo acordo de 2008

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