Terrorista espanhol extraditado pelo Brasil começa a cumprir pena em Madri

O ultradireitista Carlos García Juliá é um dos autores de ataque que matou cinco pessoas no Massacre de Atocha, em 1977; em Brasília, embaixador espanhol agradece ao Brasil

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Por Raphael Minder
Atualização:

MADRID - Após décadas de fuga, o terrorista espanhol Carlos García Juliá retornou nesta sexta-feira, 7, a uma prisão na Espanha, nos arredores de Madri, depois de ter sido extraditado pelo Brasil. García Juliá foi um dos arquitetos de um dos maiores atentados políticos da Espanha, o ataque que ficou conhecido como “Massacre de Atocha” e pelo qual ele foi condenado a 193 anos de prisão. O ataque, contra um escritório de advogados de um sindicato ligado ao Partido Comunista, matou cinco pessoas.

Na época, pouco mais de um ano após a morte do ditador Francisco Franco, a Espanha estava navegando em um território político desconhecido, lutando para confirmar seu retorno à democracia. O Partido Comunista, que havia sido declarado ilegal durante a longa ditadura de Franco, estava negociando o fim de décadas de oposição clandestina e o retorno à política dominante.

Carlos García Juliá aguarda no Aeroporto Internacional de Guarulhos para ser extraditado Foto: Nelson Almeida / AFP

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García Juliá, então com 24 anos, era um militante fascista filiado ao partido recém-fundado Fuerza Nueva, ou Força Nova, determinado a manter a Espanha sob o regime totalitarista, apesar da morte do ditador.

Em janeiro de 1977, García Juliá e outros dois militantes atacaram o escritório de advogados, perto da Estação de Trens de Atocha, em Madri, atirando e matando três advogados, um administrador e um estudante de direito. Outras quatro pessoas ficaram seriamente feridas.

García Juliá foi preso logo depois e sentenciado a 193 anos de prisão em 1980. Mas revisões das leis espanholas feitas mais tarde limitaram a sentença a 30 anos. Em 1991, ele foi beneficiado pela liberdade condicional temporária e, em 1994, recebeu permissão para viajar para o Paraguai. Ele usou a oportunidade para escapar e passar décadas como um fugitivo, cruzando diferentes países na América Latina.

O primeiro-ministro da Espanha, o socialista Pedro Sánchez, descreveu a extradição de García Juliá e seu retorno à Espanha como um triunfo para a democracia e justiça em uma postagem no Twitter nesta sexta-feira. Ele acrescentou que o ataque de Atocha deveria ser lembrado como um massacre que não conseguiu deter o desejo por liberdade de toda uma sociedade.

Acredita-se que García Juliá tenha vivido sob múltiplas identidades durante todos esses anos de fuga, em vários países incluindo Chile, Argentina e Venezuela. Ele passou um tempo em uma prisão na Bolívia nos anos 90, após ser sentenciado a 6 anos por tráfico de drogas, segundo a mídia espanhola. Madri vinha buscando sua extradição com a Bolívia, mas ele conseguiu outro benefício e escapou antes de o pedido espanhol ser processado.

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O dinheiro que ele recebeu do tráfico de drogas teria sido usado para financiar alguns grupos fascistas na região. Por anos, a polícia perdeu seu rastro, mas ele foi detido pela Polícia Federal brasileira em São Paulo em dezembro de 2018, com uma ordem internacional de prisão.

García Juliá vinha trabalhando como motorista na cidade e vivendo sob uma identidade venezuelana com uma mulher que aparentemente sabia sobre os crimes cometidos por ele no passado.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal atendeu por unanimidade o pedido de extradição da Espanha contra García Juliá. Seu último pedido de apelação foi rejeitado alguns meses depois, liberando o caminho para o presidente Jair Bolsonaro assinar a ordem de extradição no mês passado.

García Juliá voou para Madri de São Paulo em um voo comercial com uma escolta policial e pousou em Madri nesta sexta-feira. Ele levava apenas uma mala com ele e foi imediatamente transferido para a prisão Soto del Real, nos arredores de Madri.

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Ele deverá cumprir mais de uma década na prisão pelo ataque de Atocha, e também pode enfrentar um novo julgamento por ter violado os termos de sua condicional.

O Partido Comunista da Espanha foi legalizado em abril de 1977, três meses após o “Massacre de Atocha”. Um dos outros terroristas, José Fernández Cerrá, já terminou de cumprir sua sentença de prisão. Um terceiro membro do grupo, Fernando Lerdo de Tejada, continua foragido, após também violar a condicional. Lerdo de Tejada foi o responsável por vigiar a entrada do escritório enquanto seus dois companheiros invadiram o prédio e promoveram o ataque.

Um dos advogados que conseguiu sobreviver, porque deixou uma reunião no escritório alguns minutos mais cedo, foi Manuela Carmena, que mais tarde tornou-se juíza e eventualmente foi eleita como a primeira prefeita de extrema esquerda de Madri, em 2015. Ela se aposentou da política no ano passado após perder a eleição municipal.

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Embaixador da Espanha agradece ao Brasil

Em Brasília, o embaixador da Espanha, Fernando García Casas, agradeceu ao Brasil pela decisão de extraditar García Juliá. Um coquetel para marcar o trabalho de cooperação entre os dois países foi oferecido pela representação espanhola ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, e ao presidente do STF, Dias Toffoli, na manhã desta sexta-feira.

"Em democracias consolidadas como as nossas, não deve haver espaço mínimo de impunidade para aqueles que violam de maneira tão grave a lei e os direitos dos cidadãos", afirmou o embaixador.

O embaixador da Espanha, Fernando García Casas (E), brinda com presidente do STF, Dias Toffoli (C), e o ministro Sergio Moro Foto: Gabriela Biló/Estadão

Em discurso, Toffoli afirmou que o dia foi de celebrar a Justiça no mundo globalizado e democrático. "O terrorismo não constrói nada, só destrói. O que constrói é o pluralismo, as diferenças", disse.

Sergio Moro declarou que a Justiça pode até tardar, mas não falha. "Não há lugar no Brasil para criminosos ou para terroristas, quaisquer que sejam suas motivações", discursou o ex-juiz federal. / Colaborou Vinícius Valfré 

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