Terroristas sem fronteiras

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

O mentor da chacina do dia 13 em Paris já não vive. Abdelhamid Abaaoud foi morto durante uma violenta operação policial na quinta-feira, no subúrbio de Saint-Denis, onde preparava, talvez, novas infâmias. Como este homem, este belga, definido por todas as polícias da Europa como um dos jihadistas mais perigosos, pôde entrar na França e em Paris? O homem nem sequer estava se escondendo. Sempre rindo, divulgava vídeos aparecendo no meio de gente decapitada ou torturada. Se viajava, o fazia como vocês ou como eu, passando pelos controles, pelos postos de controle e em seguida se gabava nos vídeos. Com sede na Bélgica, fez duas viagens de ida e volta entre a França e a Síria e, mais recentemente, voltou à França para matar. Outro assassino célebre, Mehdi Nemmouche, que massacrou quatro pessoas no Museu Judaico de Bruxelas, é um verdadeiro globetrotter. Em 2012, deixou a França e viajou para Bruxelas, Londres, Beirute e Istambul. Em 2014, foi para a Malásia, depois Cingapura, Bangcoc e Frankfurt onde foi interrogado pelos guardas de fronteira. Dois meses mais tarde, fez um massacre no Museu Judaico de Bruxelas. Traço comum entre os assassinos do Estado Islâmico é sua mobilidade, flexibilidade, agilidade, rapidez. Evidentemente, a falsificação de documentos vem registrando um boom na Turquia. Um passaporte falso vale de 200 a 10 mil, dependendo de sua qualidade. Mas todos estes assassinos são fichados por todas as polícias. E passam alegremente por todas as fronteiras. Este dom da ubiquidade dos assassinos nos deixa consternados, principalmente porque os Estados têm sapatos de chumbo, são pesadões, lentos, inertes. Mas a União Europeia defendeu a abolição das fronteiras. Ela criou o Espaço Schengen, no interior do qual as pessoas e os bens circulam livremente. Contudo, não dotou os Estados, suas polícias, suas justiças, dos meios de se livrarem também das fronteiras. Apesar da UE, apesar de Schengen os Estados continuam agarrados aos próprios privilégios, à sua soberania, a seus direitos. Os serviços alemães desconfiam dos serviços franceses, os ibritânicos dos belgas e os checos dos italianos, etc. Desse modo, a grande ideia da Europa unida só é respeitada e aplicada pelos assassinos da Síria ou do Iraque. Jamais pelos Estados europeus, por suas polícias e seus funcionários. A polícia e a Justiça estão vinculados ao seu país de origem. Do fundo de sua guarita, olham os assassinos brincando sorridentes de pular fronteiras. A UE contempla estupefata ou desorientada as idas e vindas da "internacional do massacre".Angústia. A chacina de Paris aguçou o medo já difuso, mas que se torna agora uma verdadeira angústia: será que o afluxo de centenas de milhares de migrantes, procedentes da Líbia, da Síria, da Turquia, não permitirá que nuvens de jihadistas se infiltrem na Europa para cometer suas atrocidades? É verdade que, nas equipes que agiram em Paris, um dos assassinos tinha um passaporte sírio e outro provinha talvez da Síria. As polícias dos diferentes países que, há algumas semanas, veem multidões de migrantes forçar as portas de Hungria, Grécia, Montenegro, etc, garantem que por enquanto nenhum suspeito foi detectado. Mas é evidente que a inquietação aumenta em relação aos migrantes. Acreditamos que Angela Merkel, que abriu generosamente as portas da Alemanha aos migrantes, deve ter ficado abalada, com os membros do seu partido, o CDU, e principalmente com a prima bávara da CDU, a CSU. Sua cota de popularidade, já considerável, corre o risco de ser afetada. "Mas enfim", retrucam os céticos, "por que os assassinos se preocupariam em se misturar com estes migrantes sujos, esgotados e desesperados, enquanto os funcionários da chacina, os funcionários do Estado Islâmico, circulam de avião, são livres como pássaros, ignoram as fronteiras, dormem em seus hotéis, e estão perfeitamente barbeados quando acionam suas bombas e se matam." / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA *É CORRESPONDENTE EM PARIS

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