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Thatcher e os mineiros

Ex-premiê, que gostava de uma briga, talvez apreciasse os protestos em seu funeral

Por É JORNALISTA , JOHN F. , BURNS , É JORNALISTA , JOHN F. e BURNS
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O velho mineiro caminha apoiando-se numa bengala agora, esgotado em espírito e no corpo, mas com um grande ressentimento que ainda aflora sempre que a conversa volta à batalha perdida, há quase 30 anos, para salvar a mina de carvão local do zelo de Margaret Thatcher em poupar gastos. "Dez milhões de libras para um funeral. É revoltante", ele disse ao retomar o caminho num terreno estéril coberto dos escombros do que foi, outrora, a mina de Whitewell, contemplando o ritual elaborado que custou US$ 15 milhões para a ex-primeira-ministra, morta na semana passada aos 87 anos. "Dez milhões de libras! E nem dez libras para as pessoas como eu que faziam todo o trabalho sujo aqui!" Na morte, como na vida, Thatcher, cuja batalha que destruiu o sindicato para fechar as minas não lucrativas em 1984 e 1985 foi um dos marcos dos seus 11 anos no poder, foi uma personalidade profundamente polarizadora. A revolta destes que foram os perdedores das batalhas na revolução empreendida por Thatcher foi expressa pelos grupos anarquistas e de esquerda, como o que se denomina Good Riddance Maggie Thatcher (Finalmente Maggie Thatcher, em tradução livre). Eles prometeram liderar os protestos contra a carreata militar que transportaria o caixão da ex-primeira-ministra coberto com a bandeira nacional. Thatcher sempre gostou de uma boa briga e afirmava que as ofensas dos seus adversários só contribuíam para fortalecer sua convicção de que ela estava certa ao desafiá-los. De acordo com essa regra, ela talvez se reconfortasse com as paixões que despertou até o fim. Whitwell fica num canto do Derbyshire adjacente a Nottinghamshire e a Yorkshire, três condados que estavam no coração da região do carvão da Grã-Bretanha. Os poços foram abertos ali em 1890 e fechados em 1986, depois de um ano de batalhas entre milhares de policiais e mineiros que acabaram com uma vitória arrasadora para Thatcher e uma derrota tremenda para o sindicato dos mineiros e seu líder militante socialista, Arthur Scargill. Nos anos seguintes, foi fechada uma série de minas de carvão, e as que sobreviveram foram privatizadas. Com o tempo, estas também afundaram, a ponto de um setor que se gabava de ter mais de 170 minas subterrâneas e uma produção anual de cerca de 130 milhões de toneladas ao ano, quando Thatcher subiu ao poder, em 1979, hoje ter apenas três minas profundas em operação, com uma produção, em 2010, de apenas 17 milhões de toneladas - minúscula em comparação com a produção anual dos EUA de cerca de um bilhão de toneladas. Foi a morte do Rei Carvão na Grã-Bretanha. Os setores da economia que dependiam do carvão, como as usinas elétricas, passaram a adotar carvão importado mais barato quando o poder do sindicato se quebrou. Dezenas de mineiros perderam o emprego, cerca de mil deles em Whitwell. Muitos anos depois, o que aconteceu com a mineração de carvão é considerada, para melhor ou para pior, um divisor de água na Grã-Bretanha. Foi nas minas de carvão, mais do que em qualquer outro lugar, que uma visão socialista que valorizava o bem-estar das comunidades operárias mais do que o lucro finalmente teve de ceder para uma nova era de individualismo e empreendedorismo. Esta visão inaugurada por Thatcher foi amplamente abraçada até pelo Partido Trabalhista, que durante a maior parte do século 20 foi o principal defensor da classe trabalhadora. Mas se Thatcher deslocou definitivamente o centro da política britânica, seu legado exige também a avaliação das consequências sombrias para lugares como Whitwell. O velho encontrado na mina abandonada não permitiu que o seu nome fosse mencionado por ressentimentos ainda vivos entre os mineiros que entraram em greve e os outros, ainda chamados fura-greves pelos grevistas, que optaram por continuar trabalhando ou, como o velho do lugar, voltaram para os poços quando a greve continuou mês após mês, enquanto as famílias de muitos mineiros que dependiam para sobreviver das cozinhas que distribuíam sopa gratuitamente e das lojas beneficentes. "Sra. Thatcher? Que apodreça no inferno por tudo o que fez com a gente", diz um morador de Whitwell. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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