The Economist: As muitas tarefas de Modi

Premiê indiano tem muito a fazer para que a população da Índia tenha educação de qualidade, mais empregos e saúde

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Atualização:

Narendra Modi tem ambições grandiosas para seu país, e exala uma autoconfiança enorme. Mas ainda tem de mostrar que vai entregar o que prometeu.

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Quem olha para a suja e depauperada Vadnagar, não imagina que ela tem um filho famoso. Os turistas às vezes visitam a parte murada desta cidade do Estado de Gujarat, na região oeste da Índia para ver suas portas e varandas de madeira. Um par de portões de pedra sugere uma história que se estende por mais de dois milênios. Dizem que a cidade é mencionada na saga da Índia antiga, O Mahabharata.

A estação ferroviária só tem uma linha. No endereço vizinho, onde o pai do figurão tinha uma banca de chá, hoje há uma oficina de motocicletas. Do outro lado da rua fica a construção simples, de paredes caiadas, de sua antiga escola. Só numa rua próxima, depois de um santuário sufista, a pessoa encontra vestígios do grande homem. Os vizinhos se apresentam com o mesmo sobrenome: Modi, Modi, Modi.

O premiê indiano, Narendra Modi; seu país ainda espera por suas promessas Foto: Danish Siddiqui/Reuters

A maioria se lembra de algum acontecimento da infância de Narendra Modi, como o dia em que ele voltou para casa trazendo o filhote de crocodilo que achou num lago. Falam dele mais com respeito do que com carinho. Ele raramente ajudava o pai na banca de chá. Colegas de escola lembram que ele gostava de teatro e queria de todo jeito fazer o papel de rei. Desde pequeno sua paixão era a política, e ainda muito novo ele se filiou ao movimento nacionalista hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS). 

Um companheiro de RSS, relata uma briga no parquinho com rivais muçulmanos. Um vizinho compareceu a seu casamento, celebrado quando ele ainda era adolescente. Noivo a contragosto, não tardou em ir embora, deixando a mulher para trás. Só muito de vez em quando ele volta à cidade.

Vadnagar é um bom ponto de partida para quem quer entender o país de 1,3 bilhão de habitantes do qual há um ano Modi se tornou primeiro-ministro. A cidade também ajuda a entender os planos que ele tem para os próximos 10 ou 15 anos. Até essa escala de tempo implica ambição. Numa democracia, o horizonte dos políticos em geral se limita a cinco anos. Mas esse homem de 64 anos nunca perdeu uma eleição, e, depois de uma grande vitória em maio de 2014, que o alçou ao cargo mais importante da Índia, ele proferiu um discurso triunfal, sustentando que “dez anos é tudo de que precisamos” para modernizar a Índia. Até 2022, no aniversário de 75 anos da independência do país, todos verão que este é o “século da Índia”, diz. 

Quem conversa com Modi, sai impressionado a intensidade da motivação de um outsider que parece determinado a deixar sua marca na história indiana. Em suas palavras às vezes é possível notar arrogância, vangloria e excesso de confiança. Mais do que qualquer outro primeiro-ministro indiano desde Indira Gandhi, ele encarna pessoalmente o poder. 

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Nas eleições parlamentares do ano passado, seu Partido Bharatiya Janata (BJP) enfrentou o Partido do Congresso, então no governo, e diversos partidos regionais em 543 distritos eleitorais. O pleito se tornou uma disputa presidencial, em que Modi, um candidato carismático, dotado de uma energia inesgotável, atropelou seus adversários. O Partido do Congresso, debilitado por anos de escândalos de corrupção, lideranças fracas e baixo crescimento econômico, não foi páreo para ele. A imprensa, de modo geral, limitou-se a adulá-lo.

Uma eleição à la Modi deu num governo à la Modi. O novo primeiro-ministro indicou desconhecidos para vários cargos ministeriais e leva com rédea curta os que têm brilho próprio. Foi o próprio Modi, e não o ministro das Finanças, Arun Jaitley, quem elaborou diversos detalhes do orçamento apresentado em fevereiro.

Os que se interessam por saber como ele é visto no país se surpreendem com a frequência (e a espontaneidade) com que palavras como “megalomaníaco” e “autoritário” são usadas (até mesmo por alguns de seus simpatizantes entusiásticos) para descrevê-lo. Mas o ego de Modi parece grande demais para que ele se deixe abalar por essas opiniões. Na visita que fez ao presidente americano, Barack Obama, em janeiro, ele apareceu vestido com um terno risca de giz azul-marinho, cujas riscas eram feitas com seu nome, repetido centenas de vezes e bordados com fio de ouro.

Uma das maneiras por meio das quais fez sua presença sentida foi pondo os burocratas em seu devido lugar. Assim que assumiu o cargo, Modi demitiu os ocupantes dos principais postos dos ministérios das Finanças, do Interior e das Relações Exteriores. Isso talvez tenha sido necessário, uma vez que muitos integrantes da burocracia governamental vinham oferecendo resistência às reformas. Mas o estilo de suas ações é motivo de consternação generalizada. Ele tem total controle sobre o governo, mas enfrenta dificuldade para silenciar membros do RSS e integrantes do próprio governo que simpatizam com o nacionalismo hindu e tentam instigar a discórdia religiosa.

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Quando Modi tomou posse, o país já vinha passando por consideráveis transformações estruturais; dentre elas, amplas mudanças demográficas. O sul do país tem uma população relativamente envelhecida, com alto grau de urbanização e índices de escolaridade elevados, predominando as famílias de classe média com número cada vez menor filhos. Ao mesmo tempo, os indianos da costa oeste estão cada vez mais parecidos com as pessoas do Sudeste Asiático, tanto em termos sociais, como econômicos. Graças, em grande medida, a essas mudanças no sul e no oeste, a população total da Índia deve alcançar o nível de reposição populacional (média de 2,1 filhos por casal) antes de 2020. Será um ponto de inflexão histórico, ainda que em outras regiões do país a taxa de fertilidade seja tão alta que a população continuará a crescer por um bom tempo, atingindo 1,64 bilhão em 2065.

Grande parte desse crescimento ocorrerá no norte. Em Estados interioranos, como Uttar Pradesh e Bihar (que juntos têm mais de 300 milhões de habitantes, quase o mesmo número que os Estados Unidos), a maior parte da população ainda é formada por famílias pobres e numerosas, que vivem em meio rural e têm baixa escolaridade. Seus problemas se assemelham aos da África. O saneamento básico é precário e as pessoas ainda sofrem com inúmeras doenças de fácil tratamento. A economia depende sobretudo de agricultura não irrigada e o fornecimento de energia elétrica é insuficiente. 

Mulheres, meninas e fetos do sexo feminino sofrem discriminação. Acrescente-se a isso os conflitos religiosos e a ameaça de rebeldes maoistas em bolsões rurais e não é de admirar que os indianos do sul se irritem com seus conterrâneos do norte.

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Mas também há tendências comuns, em sua maioria animadoras. Uma delas é um fluxo constante de pessoas saindo do campo em direção às cidades. Ao longo dos próximos 40 anos, cerca de 11 milhões de pessoas por ano devem migrar para a zona urbana. Em função disso, a demanda por empregos não agrícolas vem crescendo. Segundo uma estimativa, a Índia precisa criar 10 milhões de empregos adicionais ao ano para uma população jovem e de nível educacional cada vez mais elevado.

Virtudes da impaciência. Por toda parte os indianos estão ficando mais exigentes. Os consumidores querem telefones e conexões de internet melhores, querem a chance de ter uma lambreta ou de tirar férias. Querem educação, hospitais e fornecimento confiável de energia. Uma minoria barulhenta se preocupa com o meio ambiente pestilento, queixando-se de rios que parecem esgotos a céu aberto e, nas cidades, do ar poluído com partículas tóxicas produzidas pelo combustível de má qualidade.

Os eleitores hoje cobram os políticos por coisas que eles têm como controlar, como corrupção ou perspectivas econômicas, e até mesmo coisas que estão fora de seu controle, como chuvas que danificam plantações e fazem o preço da cebola subir. O voto ainda é influenciado por filiações religiosas e de casta. Mas as pessoas mais jovens que moram nas cidade, e têm nível educacional mais elevado, dão aos políticos o mesmo tratamento que dariam a uma operadora de telefonia: se o serviço é ruim, mudam o voto.

Essa impaciência é uma coisa maravilhosa. Agora os políticos se sentem pressionados a oferecer melhorias à sociedade, ou correm o risco de não se reeleger, ou mesmo de ir para a cadeia se forem apanhados praticando corrupção. Cada vez mais os eleitores esperam que eles lhes ofereçam não apenas algumas benesses, mas condições para que suas vidas se tornem materialmente mais ricas. As pessoas veem que em muitos outros países as condições são melhores que as delas. Falar de um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 2 trilhões parece bom, mas a renda per capita em 2014 ainda era de apenas US$ 1,6 mil, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). (As estatísticas nacionais usam uma base diferente e põem esse número em US$ 1,4 mil.) A desigualdade está aumentando. No ano passado o Credit Suisse computou 182 mil milionários (em dólares) na Índia. Um número bem maior de pessoas precisa prosperar.

Um ano é tempo bastante para se indagar sobre o formato que Modi está começando a dar ao país. A primeira coisa a observar é que o primeiro-ministro indiano vem fazendo o que sabe fazer, aplicando métodos que deram certo nos 12 anos em que governou o Estado de Gujarat. De seu ponto de vista, lideranças políticas efetivas são como empresários. Ele se mira no primeiro premiê de Cingapura, o recentemente falecido Lee Kuan Yew, elogiando a “obra monumental” do cingapuriano. Como fazia Lee, ao estabelecer uma meta, Modi determina uma data para ela, decide de que maneira ela será implementada e monitora seu progresso. Às vezes, sua supervisão desce aos mínimos detalhes.

Tendo em vista a predileção do primeiro-ministro por tarefas, The Economist elaborou uma lista com cerca de 30 promessas anunciadas no ano passado com o intuito de delinear as ambições de seu governo. Todas têm data para serem concluídas. Aproximadamente metade delas deve ser completada até a próxima eleição, em 2019. Outras estão programadas para mais tarde, de modo que ainda vai levar algum tempo para que se possa determinar se a missão de Modi foi bem-sucedida ou se fracassou.

O primeiro-ministro vez por outra enaltece as qualidades de um governo que interfere pouco na economia, mas sua lista contém um número impressionante de grandes tarefas para o Estado. Metade das metas envolve uma expansão formidável das ações do Estado, incluindo a abertura de milhões de novas contas pelos bancos estatais, a construção de 30 km de novas estradas todos os dias até 2017, 100 milhões de banheiros até 2019 e 100 novas “cidades inteligentes” até 2020.

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Apenas algumas tarefas têm por objetivo tornar a burocracia mais eficiente ou criar condições para o desenvolvimento de empreendimentos privados. Entre eles estão o plano para a criação de um imposto nacional sobre bens e serviços, programado para entrar em vigor em abril do ano que vem, mas que provavelmente será adiado; estar até 2017 entre os 50 primeiros colocados do ranking do Banco Mundial sobre os países onde é “mais fácil fazer negócios”; e relaxar o sistema de concessão de vistos de turismo a fim de atrair 11 milhões de visitantes estrangeiros por ano até 2018. Um governo mais liberalizante poderia ter pensado em se desfazer de dezenas de empresas estatais (como fez um governo anterior do mesmo BJP de Modi) ou pressionar pela flexibilização das leis trabalhistas em todo o país.

Modi está interessado em coisas concretas, como infraestrutura e equipamentos militares, deixando assuntos mais intangíveis, como educação, saúde e meio ambiente, para outros. Os gastos com saúde sofreram cortes no orçamento nacional deste ano, apesar de o sistema de saúde do país ser muito carente de recursos. Por outro lado, o governo estabeleceu metas para a redução no desequilíbrio da proporção de meninos e meninas na população infantil, erradicando a tuberculose e o sarampo e imunizando 90% das crianças contra diversas doenças.

A educação não vem recebendo atenção suficiente. A abundância de jovens trabalhadores na Índia não é uma vantagem automática: o país precisa de pessoas com melhores habilidades em todos os níveis do emprego organizado. A lista de Modi inclui a meta vertiginosa de oferecer treinamento vocacional para 500 milhões de pessoas até 2022, mas ele não disse quase nada sobre o aprimoramento do ensino superior. O primeiro-ministro deveria almejar mais competição e investimentos nessa área.

Modi entende de projetos. “O governo dele em Gujarat era uma sucessão de eventos; era estafante”, diz um indivíduo que o conhecia bem em Ahmedabad. Estabelecer uma lista de tarefas específicas a serem marcadas conforme forem sendo realizadas pode ser uma boa ideia, mas é um jeito de agir mais apropriado para um chefe de gabinete do que para um primeiro-ministro transformador. “Os líderes mais bem-sucedidos criaram condições. Os líderes mais bem-sucedidos criam as condições adequadas para que outros consigam realizar seus desejos ambiciosos. O governo de Modi precisa lutar por reformas amplas, não tarefas individuais. O principal empecilho para isso em geral é a política. Essa é a área onde a mudança sob o comando de Modi talvez seja a mais radical.

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