The Economist: As verdadeiras lições do 11 de Setembro

Vinte anos depois do pior atentado terrorista da história, o governo dos Estados Unidos corre o risco de oscilar da arrogância à trapalhada

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Por The Economist
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Vinte anos atrás, os EUA começaram a remodelar a ordem mundial após os ataques do 11 de Setembro. Hoje, é fácil concluir que sua política externa foi abandonada na pista do aeroporto de Cabul. O presidente, Joe Biden, diz que a retirada do Afeganistão significava “encerrar uma era” de guerras distantes, mas deixou seus aliados perturbados e seus inimigos, contentes. 

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A maioria dos americanos está cansada de tudo isso: cerca de dois terços dizem que a guerra não valeu a pena. No entanto, o clima nacional de fadiga e apatia é um conselheiro ruim para o futuro papel dos EUA no mundo. Seu poderio continua temível e sua estratégia pode ser refeita para o século 21, desde que se extraiam as lições certas da era pós-11 de Setembro.

O assassinato de 3 mil pessoas em território americano provocou uma reação que destacou o “momento unipolar” dos EUA. Por um tempo, o país parecia ter um poder incontestável. O presidente George W. Bush declarou que ou o mundo estava com a América ou contra ela. A Otan disse que o ataque às Torres Gêmeas era um ataque a todos os seus membros. Vladimir Putin prometeu cooperação militar russa. Condoleezza Rice, então conselheira de Segurança Nacional, caracterizou o acontecimento como o verdadeiro fim da Guerra Fria. 

A facilidade com que as forças lideradas pelos americanos derrotaram o Taleban parecia pressagiar um novo tipo de guerra leve: Cabul caiu 63 dias depois do 11 de Setembro. Houve conquistas duradouras desde então. Os esforços de contraterrorismo melhoraram: Osama bin Laden está morto e nenhum ataque aos EUA remotamente comparável foi bem-sucedido. A região de Lower Manhattan foi reconstruída em grande estilo.

Mas, na maior parte, o legado da resposta ao 11 de Setembro foi amargo. A missão de esmagar a Al-Qaeda se transformou em um desejo de mudança de regime e construção de nação que deu resultados pouco convincentes no Afeganistão e no Iraque, a um enorme custo humano e fiscal. As armas de destruição em massa iraquianas eram uma miragem. Os EUA quebraram seu tabu sobre a tortura e perderam a superioridade moral. 

Aquela sensação inicial, ilusória, de clareza sobre quando deveria intervir militarmente se desvaneceu na indecisão, por exemplo, sobre o uso de armas químicas pela Síria, em 2013. Em casa, o espírito de unidade se evaporou rapidamente e as polarizações tóxicas zombaram de sua afirmação de ter uma forma superior de governo. O lodaçal do Oriente Médio tem sido uma distração da verdadeira história do início do século 21: a ascensão da China.

Vinte anos depois do pior atentado terrorista da história, o governo dos Estados Unidos corre o risco de oscilar da arrogância à trapalhada Foto: Doug Kanter/AFP

A derrocada de Biden em Cabul é um epílogo sombrio. Alguns enxergarão aí a prova não apenas da incompetência americana, mas também do declínio – que talvez esteja indo longe demais. A queda de Saigon não fez com que o Ocidente perdesse a Guerra Fria. E, apesar de todas as falhas dos EUA – suas divisões, suas dívidas, sua infraestrutura decrépita –, muitas facetas de seu poder estão intactas.  Sua participação de 25% no PIB global é aproximadamente a mesma da década de 1990. O país ainda tem predominância tecnológica e militar.

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E, embora a opinião pública tenha se voltado para dentro, os interesses americanos são hoje muito mais globais do que foram durante sua fase isolacionista, na década de 1930. Com 9 milhões de cidadãos no exterior, 39 milhões de empregos sustentados pelo comércio internacional e US$ 33 trilhões em ativos estrangeiros, os EUA têm um forte interesse em um mundo aberto.

Sua política externa mudou com Barack Obama, que tentou operar uma “guinada” para a Ásia e reduzir as guerras no Iraque e no Afeganistão. O desvio de Donald Trump para uma negociação bombástica foi um desastre, embora ele tenha ajudado a acabar com as ilusões dos EUA sobre a China. Biden está bem qualificado para juntar os cacos, com longa experiência em relações exteriores e conselheiros que estão elaborando uma Doutrina Biden. Seus objetivos são acabar com as guerras eternas, completar a guinada para a Ásia, enfrentar novas esferas, como a segurança cibernética, e reconstruir alianças globais.

A revista The Economist apoia grande parte dessa agenda, principalmente a ênfase nas prioridades do século 21, como as mudanças climáticas. A atitude do governo em relação aos direitos das mulheres é melhor que a de seu antecessor – e pode afetar a geopolítica mais que a maioria das pessoas imagina. Mas elementos importantes da Doutrina Biden são preocupantemente confusos. O abandono do Afeganistão irritou aliados, que mal foram consultados. Uma abordagem de confronto com a China pode tirar o foco das mudanças climáticas.

Abrangendo a doutrina está a insistência de que a política externa deve servir à classe média dos Estados Unidos. “Em cada ação que tomamos na nossa conduta no exterior, devemos levar em conta as famílias trabalhadoras americanas”, disse o presidente. Comércio, clima e China são preocupações simultaneamente internas e externas. Em certo sentido, é uma coisa óbvia: todos os países agem em seu próprio interesse de longo prazo, e a força em casa é um pré-requisito para a força no exterior. No entanto, o impulso de tomar decisões sobre o mundo para agradar a população nacional já está causando problemas.

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No Afeganistão, fixou-se um prazo artificial para a retirada (até 11 de setembro) com o intuito de agradar os eleitores americanos, e a decisão de remover todas as tropas ignorou a realidade de que uma modesta guarnição americana poderia ter impedido o Taleban de assumir o controle.

Quanto à covid-19, os EUA perderam a chance de liderar uma campanha global de vacinação que teria conquistado gratidão, boa vontade e demonstrado as proezas americanas.

O risco é que o viés doméstico de Biden deixe sua política externa menos eficaz. Os EUA precisa, encontrar uma nova maneira de coexistir com a China, com rivalidade e cooperação em diferentes áreas. No entanto, a política de Biden para a China é notavelmente parecida com a de Trump, com uma série de tarifas ad-hoc em vigor e retórica sobre uma disputa de soma zero. Ele sabe que a hostilidade à China é uma das poucas coisas que une o Congresso e a população: 45% dos americanos veem a China como o maior inimigo dos EUA, ante 14%, em 2001.

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Os EUA ainda precisam estar preparados para usar o poder militar para proteger os direitos humanos no exterior. Biden chegou perto de descartar essa prontidão. Os déspotas do mundo talvez tenham notado. Biden tem o objetivo de ressuscitar as alianças dos EUA, as quais multiplicam sua influência. Ainda assim, seu protecionismo prejudica os aliados, dos contratos públicos protecionistas até os US$ 50 bilhões em subsídios para semicondutores. Seu governo mostra pouco interesse em um grande acordo comercial asiático que contrarie a China.

A política externa é guiada tanto por eventos quanto por estratégia: Bush operou com base em uma plataforma de conservadorismo compassivo, não em uma guerra contra o terrorismo. Biden precisa improvisar em resposta a uma época caótica. Mas não deve imaginar que uma política externa subordinada a uma política interna revitalizará a reivindicação americana de liderar o mundo. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR RENATO PRELORENTZOU, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM