The Economist: Até quando Jeremy Corbyn pode agradar aos eurocéticos

Líder trabalhista que desafia premiê Theresa May está sob crescente pressão dentro e fora do partido para apoiar um segundo referendo sobre o Brexit

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Por The Economist
Atualização:

Camisetas dizem muito sobre o Partido Trabalhista de Jeremy Corbyn. Durante sua campanha para a liderança, em 2015, jovens apoiadores usavam camisetas mostrando o idoso socialista parecido com Che Guevara. Outro desenho popular trazia o nome de Corbyn no logotipo do Run-DMC, um grupo hip-hop de Nova York – uma improvável escolha para o líder de 69 anos. Agora, em comícios trabalhistas seus fãs usam camisetas com uma mensagem igualmente surpreendente: “Ame Corbyn, Odeie o Brexit”.

O trabalhista Jeremy Corbyn é cotado para suceder à primeira-ministra Theresa May Foto: REUTERS/Peter Nicholls

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Corbyn é um eurocético de longa data que votou pela saída do Reino Unido da Comunidade Europeia em 1975, opôs-se às principais revisões do tratado e fez campanha de má vontade para a permanência britânica em 2016. Em contraste, meio milhão de membros do Partido Trabalhista , que apoiaram fortemente Corbyn em duas eleições para a liderança, estão a todo vapor empenhados em permanecer na União Europeia (UE). Cerca de 72% dos membros do partido querem um segundo referendo, ideia que Corbyn e aliados estão relutantes em endossar. A despeito disso, 65% dos membros ainda dizem que apoiam seu líder.

Até agora, Corbyn se ateve a uma posição que está a ponto de satisfazê-los. Num discurso em 10 de janeiro ele refirmou o plano trabalhista. O partido votaria contra o acordo do governo para o Brexit neste dia 15. Se o acordo for derrotado, como se espera, os trabalhistas convocariam eleições. Se isso fracassar,como também parece provável, eles vão considerar opções que incluem um segundo referendo, mas não se limitariam a ele.

Esse projeto cuidadosamente planejado tem opções para todos. Eurocéticos, que incluem uma grande minoria de eleitores trabalhistas e o chefe do sindicato Unite, principal doador do partido, poderão insistir em que derrotar os tories, os conservadores, é a maior prioridade. Os adeptos da permanência, onde se inclui a maioria dos membros e alguns sindicatos incomodados com a perspectiva de uma perda de empregos induzida pelo Brexit, podem se ater à esperança de um segundo referendo. Cerca de metade dos membros considera que o Labour, o Partido Trabalhista, segue a política certa sobre o Brexit, enquanto apenas um quarto se opõe a ela, segundo pesquisa patrocinada pelo Economic and Social Research Council’s Party Members Projet.

Críticos de Corbyn argumentam que sua política é uma trama cínica para evitar o compromisso do partido com qualquer linha de ação mais firme antes do dia do Brexit, 29 de março. Alguns suspeitam que ele não se importa muito se a Grã-Bretanha vai sair ou ficar - quer apenas assegurar que o Labour não fique com a culpa no processo. Seus apoiadores insistem em que ele está simplesmente esperando o momento de mostrar suas cartas.

Manifestante anti-Brexit do lado de fora do Parlamento britânico Foto: REUTERS/Clodagh Kilcoyne

Estrategistas do partido veem um segundo referendo como uma escada de incêndio a ser usada apenas se o edifício estiver prestes a desabar. Ele veem três riscos em usar antecipadamente o recurso. O primeiro é o risco democrático: pedir ao povo que vote novamente contra poderia minar a fé na política e impulsionar a extrema direita, reinflamando a cultura de guerra a que o Brexit pôs fim.O segundo risco é político: um segundo referendo poderia desgastar o trabalhismo, particularmente nas Midlands e no norte, onde sua base vem sendo esvaziada.

Partir para um segundo referendo como o partido do “fica” poderia provocar deserções entre os adeptos do “sai”. A terceira objeção é pessoal. Alguns veem a campanha “People’s Vote”pelo referendo como um lance visando a enfraquecer Corbyn. Ela é liderada por ex-funcionários trabalhistas e liberal-democratas que ridicularizaram Corbyn no passado. “Eles promoveram a tática a um princípio”, revolta-se um alto membro do Labour.

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Parlamentares do Labour estão divididos. Setenta e dois dos 257 apoiaram publicamente um segundo referendo, segundo o site LabourList. Outros apoiam essa votação, mas não já. Eles temem que uma votação apressada possa ter efeito contrário, resultando numa vitória do acordo do governo – ou pior, em nenhum acordo, se tal oção estiver na cédula. Sua prioridade é evitar um estrago. Outros acham que é melhor para a Grã-Bretanha sair, com um acordo, e mais tarde, no tempo certo, pedir sua reintegração à UE.

Mas a pressão para Corbyn passar a apoiar um referendo está aumentando. People’s Vote insiste em que a aritmética eleitoral faz sentido para o Labour. “Se o Labour acredita que vai perder milhões de votos – mantendo a atual posição que seus eleitores não querem – ele vai mudar”, disse um membro do grupo. Seis em cada dez eleitores do Labour apoiaram o “fica” em 2016. Pesquisas do People’s Vote indicam um esvaziamento do apoio ao Labour se o partido for visto como apoiando demais o Brexit. Essa tese, no entanto, já fracassou quando submetida a um teste real. Nas eleições gerais de 2017, defensores do “fica” fluíram para o Labour, apesar do comprometimento do partido de se ater ao Brexit, argumentando que a abordagem trabalhista era um pouco mais suave que a versão linha dura dos conservadores.

Outras fontes de pressão podem ser mais efetivas. Um número crescente de esquerdistas, incluindo muitos aliados ideológicos de Corbyn, estão fazendo lobby para o líder trabalhista reconsiderar sua posição. Manuel Cortes, o explosivo líder do sindicato dos trabalhadores em transporte, TSSA, pediu a paralisação do Brexit. “Brexit? No pasarán”, disse ele, em linguagem esquerdista.

Economistas radicais, como Ann Pettifor, próxima ao chanceler do gabinete nas sombras, John McDonnell, estão pressionando por uma votação, argumentando que o Brexit é um movimento de direita contra a regulamentação dos direitos dos trabalhadores. O Outra Europa É Possível, um grupo de esquerda, entende que um governo trabalhista poderia ajudar a conduzir a UE num rumo mais social-democrata se a Grã-Bretanha permanecer no bloco.

Manifestante anti-Brexit com guarda-chuva da União Europeiaespera resultado de votação do lado de fora do Parlamento britânico Foto: REUTERS/Clodagh Kilcoyne

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Alguns membros do Labour podem ficar mais impacientes. Corbyn foi eleito líder em 2015, e de novo em 2016, com apoio deles , em parte com a promessa de mais “democratização” do partido. Se o Labour parecer ignorar a vontade desses membros num tema tão importante, o retrocesso poderia ser assustador. “Não há nem no inferno uma fúria maior que a de um membro de partido esnobado”, disse Tim Bale, da Queen Mary University, de Londres. Ele lembra que Tony Blair foi idolatrado até que os trabalhistas se viraram fortemente contra ele.

O resultado é uma confusa ironia. Alguns adeptos da esquerda eurocética, que por muito tempo pediram ao Labour para dar mais poder a seus membros no partido, agora estão fazendo o possível para deixá-los de lado. Ao mesmo tempo, centristas do “fica”, que durante os anos Blair procuraram jogar para o esquecimento os trabalhistas radicais, agora estão pedindo que as “raízes” sejam ouvidas.

“É como no espelho de Alice”, disse um parlamentar trabalhista. “O interior é exterior e o negro é branco.” Essa talvez seja uma boa frase para uma nova camiseta. /TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

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