Martín Vizcarra está em guerra com o Congresso do Peru desde que se tornou presidente, em março do ano passado. No dia 30, a tumultuada relação passou a ter características de farsa. Vizcarra dissolveu o Congresso. Os parlamentares reagiram suspendendo Vizcarra e substituindo-o pela vice-presidente, Mercedes Aráoz. Ela rapidamente se esquivou de assumir, talvez compreendendo que sua indicação era mais um gesto de desafio que uma proposta séria. De qualquer modo, o entrevero constitucional já havia causado estragos.
Os peruanos se lembram da última vez que o Congresso foi fechado, em 1992. O presidente era Alberto Fujimori. Seu “autogolpe” levou a oito anos de um regime autoritário e, com frequência, brutal. Fujimori cumpre pena de 25 anos numa prisão por abusos de direitos humanos, incluindo o sequestro de um jornalista em 1992.
Vizcarra não deu um golpe. Diferentemente de Fujimori, ele não pôs tanques nas ruas ou depôs o Supremo ou o ministro da Justiça. Também não prendeu jornalistas. E, mesmo com o Congresso indo para casa, uma “comissão permanente” de 27 congressistas permanece no posto para fiscalizar o presidente. Entretanto, as justificativas estão sendo questionadas por constitucionalistas. Também as ações do Congresso são postas em dúvida.
O Congresso tratou de eleger juízes para o Tribunal Constitucional. Vizcarra tomou isso como moção de desconfiança (a segunda do Parlamento), o que em teoria permite ao presidente dissolver o Congresso. A interpretação é discutível.
O confronto é o sinal mais recente de uma disfunção na classe política, comprometida com a corrupção e dividida em facções. Sua origem remonta à eleição de 2016, quando Pedro Pablo Kuczynski tornou-se presidente. Ele derrotou Keiko Fujimori (filha de Alberto) por pequena margem, mas o partido Força Popular, de Keiko, conquistou maioria no Congresso. Keiko prometeu que sua própria agenda e seus aliados tentaram paralisar o governo de Kuczynski. Uma segunda tentativa de impeachment levou à renúncia de PPK. Surgiram acusações de corrupção tanto contra Kuczynski quanto contra Keiko. Ele está em prisão domiciliar. Keiko também aguarda julgamento.
A batalha entre Congresso e presidência não dá sinais de arrefecer. Vizcarra recorreu a medidas drásticas para reforçar suas prioridades legislativas. Elas incluem convocar um referendo sobre medidas anticorrupção, com o qual o Congresso concordou de má vontade. Desde então, presidente e Congresso brigam a respeito de tudo. A comissão de ética do Parlamento tem protegido deputados acusados de corrupção.
Em maio, o Congresso se recusou a aprovar reformas políticas apoiadas por Vizcarra, incluindo a criação de um órgão independente para rever a imunidade que protege congressistas de processos. Em 26 de setembro, o Congresso rejeitou uma proposta de Vizcarra para pôr fim ao atual impasse político convocando eleições para abril – nas quais nem ele nem membros do atual Congresso poderão se candidatar.
Um político mais hábil que Vizcarra teria evitado a ruptura. Está claro, porém, que ele detém vantagem no confronto. Vizcarra chefia as Forças Armadas e a polícia o apoia, assim como as associações que representam governadores e prefeitos. Seu índice de aprovação é de quase 50%. Enquanto isso, o Congresso é odiado. Segundo pesquisado jornal La República, 87% dos peruanos desaprovam o Congresso.
Alguns deputados de oposição ameaçam se trancar no Congresso. Mas Vizcarra, tendo a polícia e as Forças Armadas por trás, além do controle do dinheiro, está em posição de vencê-los pelo cansaço. Ninguém pode prever como o impasse vai terminar. A OEA diz que o Tribunal Constitucional deve decidir sobre a legalidade da dissolução. A crise vem abalando a confiança dos investidores e a economia. Os dias cinzentos de 1992 não voltaram, mas há nuvens pairando sobre o futuro. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
© 2019 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM