The Economist: Novo presidente de esquerda do Peru pressiona por nova Constituição

Com indefinições no gabinete de ministros, ainda não está claro quão radical o presidente do país pode ser

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Por The Economist
Atualização:

Foi uma posse como nenhuma outra na história recente do Peru. Pedro Castillo, o novo presidente de esquerda, assumiu o cargo no dia 28 após a mais estreita das vitórias eleitorais, em um país profundamente dividido. Mas ele demorou alguns dias para nomear seu gabinete, deixando o Peru temporariamente sem governo. 

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Seu discurso de posse teve um tom moderado, prometendo “mudança responsável” na economia e mais dinheiro para saúde e educação. Mas Castillo insistiu que tentará instalar uma Assembleia Constituinte para redigir uma nova Constituição – dispositivo usado por populistas de esquerda como Hugo Chávez, na Venezuela, e Evo Morales, na Bolívia, para concentrar e manter o poder. Para a cerimônia de posse, Castillo usou uma jaqueta índigo sem gola, aparentemente copiada de Evo, bem como seu chapéu de fibra de palmeira cor de creme, sua marca registrada.

A posse de Castillo ocorreu no 200º aniversário da independência do Peru ante o domínio colonial espanhol. Em um gesto populista, ele disse que não governaria do palácio presidencial, construído no local da casa de Francisco Pizarro, o conquistador espanhol do Peru. Em vez disso, seu gabinete ficará no centro de convenções de Lima. Agricultor, professor e líder sindical do norte dos Andes, Castillo é para alguns um símbolo daqueles que muitas vezes são ignorados na vida política do país.

O presidente do Peru, Pedro Castillo,ao sair do Congresso após sua cerimônia de posse em Lima, em 28 de julho de 2021. Foto: Presidência Peruana / AFP

Na verdade, ele não é o primeiro presidente “mestizo”, nem o primeiro outsider político a ascender à presidência. Mas, de todos os presidentes do Peru, ele foi eleito com a plataforma mais esquerdista, é o menos experiente e está com o mandato mais fraco, tendo conquistado apenas 15% do total de votos no primeiro turno da eleição em abril. No dia 6 de junho, ele venceu o segundo turno por apenas 44 mil votos entre 17,5 milhões, e só porque muitos peruanos de centro não conseguiram votar em sua oponente, Keiko Fujimori, uma conservadora cujo pai, Alberto, governou autoritariamente o Peru nos anos 90.

Não foi culpa de Castillo que ele não tenha sido declarado vencedor até 19 de julho. O atraso ocorreu porque Keiko fez acusações de fraude; suas alegações foram rejeitadas pelo tribunal eleitoral. Mas Castillo já sabia que esse seria um resultado quase certo. E poderia ter agido com muito mais rapidez para oferecer ao país garantias sobre seus planos. Desde a eleição, ele tem falado pouco em público e evita entrevistas à imprensa. Parece ter uma natureza um tanto desconfiada. Seus assessores mais próximos são membros de sua vasta família e companheiros do sindicato dos professores.

A demora na nomeação do gabinete sugeriu que Castillo tem dificuldade de tomar decisões e apontou para uma briga interna entre ele e Vladimir Cerrón, o líder político marxista-leninista que comanda o Perú Libre, partido de extrema esquerda pelo qual Castillo concorreu. Tudo indica que Castillo está tirando nomes de uma piscina bem rasa de talentos.

Ele está assumindo a presidência em circunstâncias difíceis. O Peru sofreu muito com a pandemia, com a maior proporção de mortes registradas por população do que qualquer outro país. Seu frágil sistema de saúde ficou sobrecarregado. A economia encolheu 11% no ano passado, e a taxa oficial de pobreza aumentou de 20% para 30%. Esses números alimentaram a fúria contra o establishment político e foram um fator importante na vitória de Castillo.

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Francisco Sagasti, o presidente interino desde novembro, lançou as bases para a recuperação, organizando a campanha de vacinação. Neste ano, a economia pode recuperar a maior parte do terreno perdido. Mas as fundações continuam frágeis. “Temos polarização política em vez de liderança política”, diz a economista Liliana Rojas-Suarez. O setor privado está desconfiado, sobretudo da ideia de uma Constituinte.

A maior dúvida é sobre a influência de Cerrón, um médico formado em Cuba. O Perú Libre recorreu a Castillo somente porque Cerrón foi impedido de concorrer por uma condenação por corrupção quando era governador regional. Mais da metade dos 37 parlamentares do Perú Libre nas 130 cadeiras do Congresso respondem a Cerrón.

Castillo fez alguns gestos de moderação. Disse que manteria o presidente do banco central, um profissional respeitado. Pedro Francke, o novo ministro da Economia, é moderado. Cerrón o criticou por soar como “um Chicago boy – daqueles que fracassaram por décadas”. Na verdade, a economia de livre mercado do Peru apresentou rápido crescimento, embora a instabilidade política o venha minando desde 2016. A taxa de pobreza caiu de mais de 50% em 2001 para 20% em 2019. O problema foi a falta de reformas no Estado e nos serviços públicos.

Pedro Castillo é declarado presidente eleito do Peru Foto: Sebastian Castaneda/AFP

Para governar com eficiência, Castillo “precisa moderar em todos os sentidos, mas Cerrón não permite”, diz Gino Costa, parlamentar do partido de centro Morado. Duas pesquisas neste mês revelaram que apenas 30% dos peruanos desejam uma nova Constituição e mudanças radicais na política econômica. Os partidos de direita e de centro têm maioria no novo Congresso. Castillo disse que obedeceria à Carta vigente, a qual exige maioria no Congresso e um referendo para emendá-la. Não está claro como ele reconciliaria essas regras com sua proposta de Constituinte.

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Muitos da direita rejeitam a presidência de Castillo. Keiko disse que aceitaria o resultado da eleição, mas, ao mesmo tempo, que seus apoiadores trabalhariam “para restabelecer a legitimidade”, uma ameaça velada de derrubar o novo governo. O Congresso anterior demonstrou certo gosto pelo impeachment, tentando realizá-lo quatro vezes em três anos, o que ocasionou a renúncia de um presidente e o impeachment de outro. A oposição não está longe dos 87 votos necessários.

Castillo vai sobreviver ou se autodestruir? Seus principais ativos são uma retórica populista plausível e uma imagem de honestidade e autenticidade em um país que clama por essas qualidades. “Se durar um ano, provavelmente poderá durar mais cinco” e completar o mandato, arrisca um ex-ministro. Mas isso – e o que esses anos significarão para o Peru – dependerá das escolhas que ele fizer nas próximas semanas. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

© 2021 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM. 

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