The Economist: O Japão entendeu a covid-19 melhor do que os outros países

Abordagem sobre a pandemia fez com que o país asiático conseguisse enfrentar o vírus de uma forma mais eficiente

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Por The Economist
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Quando o navio de cruzeiro Diamond Princess, com um grande número de pessoas infectadas com a covid-19, chegou ao Japão em fevereiro, isso parecia um mau sinal. Uma pequena placa de Petri flutuante ameaçava transformar o arquipélago japonês numa outra enorme. Mas, fazendo uma retrospectiva, a exposição inicial ao coronavírus ofereceu lições às autoridades que ajudaram a tornar a pandemia no Japão a mais leve entre as grandes economias do mundo, apesar de um aumento recente de infecções. 

Pessoas com máscaras caminham na rua comercial Aoyama, em Tóquio Foto: Yuka Ando/Kyodo News/AP

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No Japão, mais de 2,4 mil pessoas morreram em consequência do vírus, pouco mais da metade dos óbitos registrados na China e um número menor em relação às mortes registradas num único dia, e por várias vezes na semana passada, nos Estados Unidos. O Japão contabilizou 18 mortes por milhão de pessoas, um número mais alto do que os oficiais na China, mas de longe o menor no âmbito do G-7, o clube das grandes democracias industrializadas – a Alemanha vem em segundo lugar, com 239 óbitos. Mais surpreendente, o Japão alcançou esse sucesso sem prescrever lockdowns rigorosos ou testagens em massa – as principais armas usadas em outros lugares na batalha contra a covid-19.

“Desde o início não visamos um confinamento”, afirma Oshitani Hitoshi, virologista de um painel de especialistas que assessora o governo. “Isso exigiria identificar todos os casos possíveis, o que não é viável num país do tamanho do Japão e quando a maior parte das infecções não apresenta sintomas ou é leve.” O Japão realizou o menor número de testes entre os países do G-7: uma média de 270 por dia para cada milhão de pessoas, comparado com os cerca de 4 mil nos EUA.

O governo, em vez disso, decidiu aplicar as lições do Diamond Express. Depois que oficiais e enfermeiros treinados para a quarentena foram infectados a bordo do navio, apesar de seguirem os protocolos para combater um vírus que se propagava por meio de gotículas, a equipe de Oshitani descobriu que a doença vinha se disseminando pelo ar. Em março, as autoridades japonesas alertaram os cidadãos para evitarem os “3Cs”, que em português seriam os espaços fechados, as aglomerações e os locais onde o contato é próximo. A frase foi acatada na internet e nos meios de comunicação tradicionais. Pesquisas realizadas no primeiro semestre indicaram que uma grande maioria estava evitando os locais mencionados. A editora japonesa Jiyukokuminsha recentemente declarou o “3Cs” como “o slogan do ano” de 2020.

O Diamont Express também inspirou um foco precoce nos agrupamentos. O governo criou uma força-tarefa nesse sentido em março. Esses insights permitiram às autoridades fazerem distinções microscópicas sobre os riscos, optando por direcionar as restrições e não ficar oscilando entre os extremos de um lockdown rigoroso e uma abertura geral.

Nishimura Yasutoshi, ministro que supervisiona a resposta do governo à covid-19, carrega com ele um aparelho que monitora dióxido de carbono para medir a qualidade da ventilação durante suas reuniões. A sala onde a reportagem se reuniu com ele registrava 506 partes por milhão, bem abaixo do limite de 1.000 partes por milhão que indica um fluxo de ar ruim. A entrevista foi realizada diante de uma enorme mesa, por trás de protetores de plástico e máscaras.

Os pesquisadores utilizaram o Fugaku, o supercomputador mais veloz do mundo, para criar modelos de diferentes situações. Trens de metrô lotados implicam pouco risco se as janelas estiverem abertas e os passageiros usarem máscaras, insiste Nishimura. Se as pessoas se sentam diagonalmente e não em frente uma da outra, isso também reduz o risco de infecções em 75%. Cinemas são seguros “mesmo se as pessoas estiverem comendo pipoca e hot-dogs”, afirma ele. Enquanto muitos cinemas no Ocidente estão fechados, o Demon Slayer, um novo filme de animação, vem sendo exibido com os cinemas lotados no Japão. Além dos “3Cs”, o governo japonês alerta para outros cinco perigos específicos: jantares com bebida alcoólica, beber e comer em grupo de mais do que quatro pessoas, falar sem máscaras em locais fechados, usar dormitórios e outros pequenos espaços compartilhados, vestiários ou salas de descanso ou lazer.

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Naturalmente, essas recomendações não valeriam nada se os cidadãos as ignorassem. Mas os japoneses acataram as orientações do governo para ficarem em casa e em quarentena caso observassem algum sintoma do vírus, apesar dessas advertências não terem força legal.

“Às vezes somos criticados por sermos uma sociedade excessivamente homogênea, mas acho que, dessa vez, isso é positivo”, diz Nishimura. E o Japão, um país limpo e ordenado, se tornou ainda mais meticuloso com relação à higiene. Enquanto os americanos alegam que o uso de máscara facial é um ataque à liberdade do indivíduo, os japoneses fazem fila na frente da Uniqlo (uma loja de roupas) para o lançamento da sua nova linha de máscaras. Durante as dez primeiras semanas da temporada de gripe no outono, o Japão registrou 148 casos de gripe comum, ou menos de 1% da média de cinco anos para o mesmo período (17 mil).

Passageiros do Diamond Princess foram confirmados com coronavirus Foto: EFE/EPA/FRANCK ROBICHON

Além disso, embora a população japonesa seja desproporcionalmente idosa, portanto mais vulnerável à covid-19, ela é muito saudável. Somente 4,2% dos adultos japoneses são obesos – a obesidade é uma condição que torna a doença mais letal. O Japão também tem um bom sistema de saúde, com cobertura universal e muitos hospitais bem equipados. E tem muitos profissionais especializados no rastreamento de contatos, que fazem parte de uma rede de saúde pública estabelecida e que remonta à década de 1930.

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Essas vantagens, claro, têm seus limites. O vírus se propagou rapidamente nas últimas semanas, alcançando altas recordes de casos e óbitos diários. O governo teve de despachar pessoal médico das suas Forças de Autodefesa para auxiliar os hospitais nos locais mais afetados. Mas, ao mesmo, tempo tem desencorajado a cautela com um programa que subsidia o turismo doméstico e ida a restaurantes, num esforço para respaldar a economia. Embora isso, ao que parece, contribuiu para os recentes contágios, o governo somente procura contê-lo em vez de eliminá-lo. E o clima frio agora vem empurrando as pessoas para os espaços fechados, como ocorre no Hemisfério Norte. Mas no Japão, pelo menos, o crescimento recente no número de casos teve início a partir de uma base notavelmente menor. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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