The Economist: Ocidente faz espiões russos parecerem trapalhões

Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá e Holanda fazem espiões russos parecerem trapalhões expuseram uma trama bizarra dos serviços de inteligência da Rússia

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Atualização:

O recibo foi para uma corrida de táxi em 10 de abril para o aeroporto de Sheremetyevo de Moscou. O endereço era Nesvizhskiy Pereulok, adjacente à sede do GRU, o serviço de inteligência militar da Rússia. O sobrenome do passageiro: Morenets. Três dias depois, quando um homem cujo passaporte o identificava como Aleksei Morenets foi preso em Haia por agentes do MIVD, a agência de contraespionagem holandesa, ele ainda tinha o recibo. Talvez, especulou Onno Eichelsheim, chefe do MIVD, ele precisasse cobrar suas despesas.

Ministra da Defesa da Holanda,Ank Bijleveld, e o embaixador do Reino Unido na Holanda, Peter Wilson, participam de entrevista coletiva em Haia Foto: Piroschka van de Wouw / Reuters

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O recibo foi uma das dezenas de peças de provas que o MIVD apresentou em uma coletiva de imprensa no dia 4 de outubro, expondo uma trama bizarra de quatro agentes do GRU, que, segundo o comunicado, foi interrompida em abril. Os agentes, que estavam sob vigilância desde que chegaram à Holanda, tentavam realizar um ataque cibernético na sede da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq).

Dirigindo um carro alugado com porta-malas cheio de equipamentos eletrônicos para piratear, eles haviam se aproximado do prédio da Opac e tentado invadir sua rede Wi-Fi. Na época, a organização estava estudando amostras do agente químico usado na tentativa de assassinato de Sergei Skripal, um agente duplo russo, na Grã-Bretanha em fevereiro. Um laptop confiscado revelou que pelo menos um dos homens esteve envolvido em tentativas de interferir na investigação da derrubada de um avião da Malaysian Airlines por russos em situação irregular na Ucrânia.

Infelizmente, os holandeses decidiram deportar os homens, embora tenham confiscado seus equipamentos. Eles estavam viajando com passaportes oficiais, portanto os holandeses podem ter calculado que o preço diplomático por deter o grupo seria alto demais.

As revelações holandesas fizeram parte de um esforço cuidadosamente coordenado entre Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá. Logo cedo, o Centro Nacional de Segurança Cibernética da Grã-Bretanha (NCSC) divulgou um relatório detalhando vários dos recentes esforços de hackers da GRU, incluindo ataques cibernéticos à Agência Mundial Antidoping (Wada) em Montreal, à infraestrutura de transporte na Ucrânia e a uma estação de televisão na Grã-Bretanha. Jeremy Hunt, o secretário de Relações Exteriores, denunciou as ações do GRU como “indiscriminadas e imprudentes”.

Mais tarde, o departamento de justiça dos EUA anunciou a mais enérgica de todas as respostas: indiciamentos contra sete russos, incluindo três dos agentes do GRU que os holandeses haviam capturado. Além das acusações relacionadas à Opaq, autoridades americanas e canadenses acusaram a Rússia de invadir agências atléticas antidoping em todo o mundo, roubando dados de testes de atletas e lançando registros de seu uso de drogas (permitidas) nas mídias sociais. O objetivo alegado era criar uma impressão enganosa de doping generalizado, aparentemente como desculpa para a Rússia por executar um programa de doping organizado pelo estado, sem precedentes, durante as Olimpíadas de Inverno de 2014.

Finalmente, os americanos acusaram a Rússia de executar operações de “phishing”, na tentativa de se infiltrar nos sistemas da Westinghouse, uma empresa de energia nuclear sediada em Pittsburgh. A Westinghouse forneceu combustível nuclear à Ucrânia depois que a Rússia cortou o fornecimento de urânio. Scott Brady, promotor federal do oeste da Pensilvânia, disse que os hackers envolvidos foram, em alguns casos, os mesmos que invadiram os servidores do Comitê Nacional Democrata durante a campanha presidencial de 2016, incluindo o grupo conhecido como “os ursos extravagantes”. Eles serão acusados de gerir uma conspiração criminosa, bem como de lavagem de dinheiro - nesse caso, o uso de moedas criptográficas, como o bitcoin, para comprar ferramentas de pirataria online.

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Esta não é a primeira vez que os Estados Unidos indiciam funcionários do governo russo e agentes de inteligência. Uma longa lista de agentes, oligarcas e membros do círculo íntimo de Vladimir Putin já enfrentam acusações. A teoria é que “nomear e constranger” tais malfeitores gera uma dissuasão, impedindo-os de viajar ao Ocidente e usar suas redes financeiras, bem como lutar pelos esforços russos de desinformação. Brady afirma que quer aplicar toda a força da lei: “Queremos trazê-los para Pittsburgh, queremos que sejam julgados e queremos colocá-los na cadeia”. Mas a noção de que a Rússia permitiria que um de seus agentes fosse extraditado para os EUA parece mais fantasiosa do que o mais extravagante dos ursos.

 

Relembre: ciberataques atingem multinacionais

De acordo com o chefe da agência de inteligência militar da Holanda, quatro russos chegaram ao país no dia 10 de abril e foram pegos com equipamento de espionagem em um hotel localizado perto da sede da Opaq.

Na época, a organização trabalhava para identificar a substância utilizada em um ataque na cidade inglesa Salisbury contra o ex-espião russo Serguei Skripal e sua filha Yulia. A Opaq também tentava verificar qual substância havia sido usada em um atentado em Duma, na Síria.

Os quatro russos foram detidos na Holanda no dia 13 de abril e deportados, afirmou o general holandês Onno Eichelsheim, acrescentando que eles pretendiam ir a um laboratório em Spiez, na Suíça, para analisar amostras de armas químicas. A inteligência militar russa “é ativa aqui na Holanda, onde estão muitas organizações internacionais”, disse.

 

Relembre: ex-espião foi vítima de agente neurotóxico

União Europeia (UE) condenou a ação “agressiva” de ciberespionagem russa. O secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, advertiu Moscou a interromper sua conduta "imprudente".

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"A Rússia deve interromper sua conduta imprudente, incluindo o uso da força contra os seus vizinhos, a tentativa de interferência em processos eleitorais e as campanhas de desinformação generalizadas", afirmou Stoltenberg. / REUTERS e AFP

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