The Economist: Quando a verdade é questão política

Processo de impeachment talvez ocorra se democratas conquistarem Câmara ou Senado

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Por The Economist
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Quase um ano após sua vitória, e a despeito de diversas revelações sobre possíveis tentativas que os russos fizeram de fomentar conflitos raciais, religiosos e étnicos durante a eleição de 2016, Donald Trump continua a reagir às acusações da mesma forma: com menosprezo. A seu ver, a interferência russa é uma manobra dos democratas, da imprensa “mentirosa” e de outros supostos inimigos, com o intuito de questionar a legitimidade de sua vitória eleitoral

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Atualmente, há no Congresso americano três investigações independentes sobre a Rússia. Nenhuma delas dá mostras de que conseguirá esclarecer se houve ou não interferência russa. Assim, não é de admirar que os americanos que desejam ter mais informações sobre os autores dos ataques lançados contra seu sistema político em 2016, e sobre o que pode ser feito para evitar que isso se repita, depositem suas esperanças no trabalho de Robert Mueller, que em maio deste ano recebeu do Departamento de Justiça amplos poderes para determinar se os russos tentaram interferir na eleição e se alguém nos EUA lhes ofereceu ajuda.

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Em imagem de setembro de 2013, Robert Muller (E) passa o cargo de diretor do FBI para seu sucessor James Comey, demitido por Trump este mês Foto: AP Photo/Susan Walsh

O que esses americanos esperam é que Mueller consiga pôr um ponto final à troca de acusações políticas, indiciando criminalmente os indivíduos que tenham colaborado com a Rússia. Eles sonham com algo tão definitivo e categórico quanto a cena de um filme hollywoodiano em que os agentes do FBI estouram um esconderijo da máfia. 

No entanto, pessoas com experiência em investigações como a conduzida por Mueller — incluindo procuradores federais e autoridades governamentais que falaram a The Economist — advertem que os americanos deveriam se prevenir e aguardar uma conclusão mais ambígua e, infelizmente, mais política do inquérito. Começando pelo conselho mais simples: é um erro supor que vazamentos e supostos vazamentos sejam uma boa maneira de acompanhar os desdobramentos de uma investigação.

Uma pessoa consultada por The Economist também escarnece da ideia de que Mueller teria montado uma equipe de procuradores “cobras”, especializados em assustar os suspeitos e fazer com que eles entreguem seus comparsas. Convencer testemunhas a colaborar com a Justiça, por vezes ameaçando-as com sentenças de reclusão, é parte corriqueira do trabalho de qualquer procurador que se preze.

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Também se especula muito sobre o fato de Trump ter demitido James Comey, o diretor do FBI que o atual presidente herdou de Barack Obama. Alguns acreditam que Trump poderia ser acusado de obstrução de Justiça. Comey diz que o presidente lhe perguntou se haveria uma maneira de encerrar um inquérito sobre seu ex-assessor de segurança nacional Michael Flynn, que havia sido demitido por ter silenciado sobre seus contatos com os russos. Segundo um experiente procurador federal, as acusações de obstrução de Justiça são extremamente difíceis de serem comprovadas. Se Trump argumentar que tentava ajudar Flynn a deixar o serviço público em paz, a coisa pode morrer por aí mesmo.

Como tem amplos poderes, é plausível supor que a esta altura Mueller tenha as declarações de imposto de renda que Trump se recusa a tornar públicas. Os documentos podem mostrar, ou não, que em algum momento o império corporativo de Trump foi auxiliado por recursos ou complexas estruturas financeiras ligadas a indivíduos de nacionalidade russa — o presidente nega ter recebido empréstimos russos. Mas a revelação mais dramática talvez não tenha natureza criminal, adverte um dos consultados por The Economist. Um cenário plausível é o de que, mesmo comprovando que o governo russo atacou os EUA e que, ao contrário do que diz, Trump deve favores aos russos, Mueller não encontre provas de conluio robustas para justificar um indiciamento.

Se conquistarem o controle da Câmara, ou do Senado, ou de ambos, nas eleições legislativas de 2018, os democratas talvez se animem a mover um processo de impeachment contra Trump, inaugurando mais um arranca-rabo partidário. Por sua vez, ao receber o relatório de Mueller, Trump possivelmente diga que o documento é mentiroso e recomende que o Departamento de Justiça não o torne público. Uma coisa parece provável: por mais que os americanos anseiem por clareza e exatidão, o desfecho dessa saga será político./ TRADUÇÃO DE ALEXANDRE HUBNER 

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